sábado, 8 de janeiro de 2011

"Janeiro de Santo Anastácio", crônica de Pedro Salgueiro para O POVO

Igreja de Tamboril, foto de Raymundo Netto


Neste mundo veloz do qual somos passageiros quase involuntários, onde a maioria das referências individuais é irremediavelmente levada a reboque pelos acontecimentos que se sucedem num ritmo alucinante, pouquíssimos são os episódios que nos dão chances de um retorno a nós mesmos, à nossa história.


Anualmente tenho oportunidade de fazer este retorno espantoso a mim mesmo, precisamente a um período muito caro (e raro) de minha vida: a infância. Esse pequeno intervalo parece se localizar fora do tempo real, ou escondido nas dobras de um tempo mágico, distante da maioria das pessoas.


Era o período em que minha cidadezinha ficava animada, os nove dias de novenas conduzidas pelo padre Helênio. Claro que o período não se resumia à religiosidade. Barracas em torno da praça da Igreja vendiam bebidas e comidas. Bancas com bijuterias, brinquedos... Um parque de diversões esperava apenas o final da novena para alegremente entrar em movimento. Grandes bailes, alguns tocados pelos legendários “Trepidantes”, do Recife.


A festa religiosa movimentava (movimenta até hoje) todo o município e cidades vizinhas, num fervilhão de gente que não víamos em outros períodos do ano. Era também a oportunidade de rever pessoas que há muito tempo se mudaram para outras cidades. Sabiamente o reverendo criou um dia de novena dedicado ao “Tamborilense Ausente”, que servia para atrair os muitos conterrâneos que se espalhavam (se espalham) por esse Brasil afora.


Até os 15 anos assisti morando lá, daí em diante voltando sempre em janeiro de férias. Como que combinado quase todos os conterrâneos aparecem por lá, um fim de semana que seja. De uns tempos pra cá foi organizada uma festa dançante pra juntar todo mundo, a “Festa do Reencontro”, que este ano acontecerá no dia 15 de janeiro.


Todos celebram Santo Anastácio, um persa que antes da conversão atendia pelo nome de Magundá e era afeito à prática das Ciências Ocultas. Foi martirizado em 22 de janeiro do ano 628. Teve seu nome escolhido (como pagamento de uma promessa) por Dona Ana Álvares Feitosa, esposa do Capitão Luís Vieira, que, já viúva, doou um pequeno terreno para a construção de capela dedicada ao santo do qual era devota.


Essas e outras informações obtive nos dois livros de reminiscências, Rastros de uma caminhada (2008) e Momentos (2010), escritos pelo Padre Helênio, cuja história se confunde com a de Tamboril, apesar de ter nascido em Cariré e pregado em várias outras cidades da região. Nesses preciosos livrinhos soube de diversas outras curiosidades, como a de que nossa freguesia foi criada em 1853, a de que o beato Antônio Conselheiro perambulou por lá, morando na casa de um tio, e a de que o Padre Mororó também esteve em nossa cidadezinha, como capelão, em 1814.


Salve Santo Anastácio! Salve nossa pequena cidade! Salve o padre Gel (e todos os párocos que ajudaram a construir essa tradição) e, principalmente, todos os tamborilenses presentes e ausentes!


Pedro Salgueiro nasceu no país dos Inhamuns (Tamboril) em 1964. Lá estudou no colégio General Sampaio, de onde veio fazer o segundo grau no antigo Colégio São João, em Fortaleza. Sobre sua cidade natal escreveu a maioria dos contos dos livros O Peso do Morto (1995), O Espantalho (1996), Brincar com Armas (2000), Dos Valores do Inimigo (2005) e Inimigos (2007)

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