sexta-feira, 10 de junho de 2011

"Engenheiro", de Pedro Salgueiro para O POVO (8.6)


O engenheiro sonha coisas claras:

João Cabral de Melo Neto


Construiu em três dias o dormitório em que Agripino, pai de Amadeus, passaria os últimos seis meses de sua vida — ventilação perfeita, claridade regular, paredes finas apoiadas em chão áspero.


Gastou um ano levantando a torre da camarinha de Vicença, viúva de primeira mão, em nova viagem de núpcias — vista para os três lados, telhado caindo para o poente, amortecendo o sol forte daquelas paragens, canto escuro para a cama (sábia penumbra a esconder desencantos); vento noroeste que traz boa sorte; escada em círculos; chão lisinho; teto alto.


Porém faz sete anos que constrói a cadeia, procurando o ângulo correto para a fresta do calabouço — barulho algum deve chegar às celas; janelas altas com parapeito largo onde os presos devem se postar pensativos, observando o horizonte infinito em que nada, a não ser a cordilheira distante, deve servir de barreira: um horizonte vasto para um cubículo e a noção exata e infinita fora, a diminuir mais e mais o já minúsculo quarto; vasto abismo circulando o prédio, a noção do precário e eterno a mexer com os nervos — estuda cada detalhe como se levantasse o teto que lhe serviria de abrigo pelo resto da vida.


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