quarta-feira, 31 de agosto de 2011

"O Sono e o Sonho", crônica de Pedro Salgueiro para O POVO (31.8)


Sempre dormi muito tarde. Conto nos dedos as vezes (geralmente estando doente ou depois de uma farra durante o dia) em que dormi antes da meia noite. Minha mãe afirma que quando eu era menino passava a madrugada inteira andando pelos terreiros com o velho rádio de casa, ouvindo notícias dos lugares mais distantes. Geralmente ela tinha que desligar o aparelho, que chiava junto comigo na redinha encardida estirada na sala da frente, já quase de manhã.


Sinto-me desconfortável quando estou num lugar em que as pessoas dormem cedo, devido a isso raramente aceito dormir na casa dos amigos em minhas muitas viagens. Mas, mesmo evitando ser hóspede em território alheio, não foram poucas as situação deverasmente desconfortáveis em que me meti, como a de ter que passar uma noite inteira acordado tendo que ouvir todos os ruídos noturnos da casa desconhecida.


Não, prefiro o quarto soturno de uma pousada, em que eu possa sair e entrar até de manhã, em que eu possa assistir à programação da TV até quase de manhã. Não apenas para evitar ser incomodado, mas principalmente para não incomodar os outros... que é uma das coisas que, do fundo do coração, mais detesto.


E como acordo cedo, pois sempre trabalhei pela manhã (que pra mim é o pior período do dia, então nada mais justo do que ocupá-lo com a pior ação do dia), sempre dormi muito pouco. Ando por aí bocejando, olhos lacrimejantes demonstrando um restinho de noite.


Talvez daí venha a fama de preguiçoso, que carrego desde menino. Dos pais, dos amiguinhos, dos parceiros de futebol, dos colegas de trabalho... e hoje principalmente dos colegas escritores, que afirmam sem dó nem piedade que “durmo” em cima de um texto por anos a fio. Que levo séculos para publicar um livro, que demoro anos para fechar um conto... que divago semanas para fechar esta mínima crônica, que para não fugir à regra estou entregando em cima da hora.


P.S.: A meu favor (e mal comparando) apenas a companhia de um de meus escritores preferidos, o poeta Mario Quintana, que escreveu o livro Da preguiça como método de trabalho e que, por sempre entregar sua croniquinha de última hora (portanto na “hora H”), quando muitas vezes o motoqueiro da Zero hora já estava buzinando em sua porta, resolveu dar à sua coluna o insólito nome de “Caderno H”.

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