quarta-feira, 7 de setembro de 2011

"Coisas Engraçadas de Não se Rir XII: Literatura Para Quem?", crônica de Raymundo Netto para O POVO (7.9)


Nunca gostei ser chamado, ou às vistas, de intelectual. Claro, o criar, como o escrever, é ação intelectual, pois de empregar mente e espírito. Por outro lado, quando o intelectualismo prima da racionalidade em despeito às emoções, perde para mim toda a graciosidade. Prefiro vejam-me artista, é como me gosto ser, mesmo apoucado, aprendiz, seja como for ou quiserem. A arte, cuja matéria-prima é a palavra, esta sim, me apraz.


Os intelectuais, forma geral, são por demais atentos, leem de tudo e escrevem sobre, discursam, trocam ideias, confabulam, e pela humanidade da qual não escapam — embora uns ambicionem emergir a ela em sobranceria estomacal — glorificam-se de deléveis vitórias em debates cerebrais. O mundo precisa deles, não resta dúvida, mas longe de mim, dessa forma não sou e anuncio, resultando em estranhamento, até em antipatia, por alguns a entenderem como arrogante o meu desapego à honraria que sequer mereço nem faço questão.


Confesso: não gosto de ler de tudo; por das vezes, escapo-me às leituras recomendadas. Dias há a desligar-me de todas as coisas do mundo: política — atemoriza-me a visão de fotos em acenos sorridentes cuja legenda traz a palavra “aliança” —, economia, conflitos mundiais e da violência — páginas de nunca ler nem assistir, bastantes as de me chegar involuntárias.


Enfim, sou apenas assim, ligado a saber mais, e não só, das coisas do âmago das gentes, de suas vidas corriqueiras, das coisas engraçadas de não se rir, ou mesmo daquelas de se lascar de rir, mas de íntimas humanidades, folhas de não se deixar levar ao vento.


Outros há que fazem pirotecnia da sua literatura. Escritores de preferir — e precisar malsofridamente — o apavonado reconhecimento de intelectual. Acham-se cultos, no sentido erudito — quase exclusivo — do termo, e escrevem com monotonia ou ilegibilidade, em experimentalismos a acobertar-lhe a ausência ou excessos de conteúdo pelo garimpo artificial do vernáculo. Curiosamente, se enfurecem com o não reconhecimento de seus palavrórios a deixar o leitor a ver navios, isto é, se inda conseguir proporcioná-lo ao menos esse deleite.


Sou livre: não leio nada que não seja do meu gosto. Dou-me sempre, porém, a chance de arriscar ou de surpreender-me — felizmente, muito acontece. Não sou ensaísta, resenhista, nem crítico. Leio por gostar e pouco me impressiona assinatura de autor. Na minha simples, talvez ignorante, visão das coisas, conheci picassos que não deixaria enfearem minhas paredes.


Acho lindo quem sabe de cor poemas inteiros, frases marcantes, nomes de personagens e títulos de livro. Tenho vários amigos queridos de ser assim. Adoro escutá-los e aprendo com eles. Eu, pobre desmemoriado a não saber nem do número do próprio telefone, sem pressa de publicar ou de me chegar onde não sei, por aqui, atrevo-me em perigoso direito de pensar alto. Entre tantos, na primeira vez de ler “Os Maias”, quanto mais eu o lia, mais ânsias me tomavam. Motivo? O livro precipitava uma conclusão. Passava dias a deixá-lo quieto, de canto, diante do temor de encarar o instante do cerro da quarta capa, tão companheira e bela me era a sua leitura nos dias chatos, enjoado que sou, de quase todos os.


Raymundo Netto. Contato: raymundo.netto@uol.com.br

blogue AlmanaCULTURA: http://raymundo-netto.blogspot.com

4 comentários:

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  2. Silêncio aquela expansão infinita na qual o não-ser e o ser passa a não-ser.Aquele vácuo pavoroso onde todo o som nasce e é abafado;onde toda a forma é moldada e esmagada;onde toda personalidade é criada e esmagada;onde todo o ser é elevado e abatido;em que nada é mais do que isto.
    A não ser que atravessemos esse vácuo e essa expansão em contemplação silenciosa,não saberemos quão real é nosso ser,nem quão irreal o não ser .Nem saberemos quão ligada está nossa realidade com toda a realidade.
    É nesse silêncio que espero que vaguemos,para que possamos abandonar nossa pele velha e apertada,e possamos andar sem grilhões,irrestritos.
    Para ele almejo que levemos nossos cuidados,receios,paixões e desejos,nossa inveja e nossas luxúrias,para que os possamos ver desaparecer um a um,libertando,assim,nossos ouvidos de seus gritos incessantes e livrando nossos flancos da dor de suas afiadas esporas...

    Ao pensar no silêncio paciente da galinha que choca,e não,o impaciente cacarejar de sua irmã que bota.Aquela mantém-se quieta durante vinte e um dias e espera em silenciosa confiança que a mão mística realize o milagre debaixo de seu fofo peito e de suas macias asas.A outra salta do ninho cacareja loucamente,anunciando que pôs um ovo.
    Vigiai a glória cacarejante.Assim como nossas vergonhas,também nossas glórias,pois a glória cacarejante é pior do que a iniqüidade muda.
    Como é difícil dizer a palavra que realmente deve ser dita.
    Em cada mil palavras que se escrevem,às vezes,só há uma,unicamente uma,que verdadeiramente é necessário escrever.As restantes são somente letras mortas,desperdiçados minutos aos quais se deu pés de chumbo em vez de asas de Luz.
    Como é difícil amigos!
    Sem o BOM SILÊNCIO,escrever a palavra que realmente deve ser escrita.
    Um Homem liberto toca a vida de todos os homens por todos os lados,pois contém a vida de todos eles.
    No entanto,a vida de nenhum homem toca,por todos os lados,a vida de um liberto.
    Ao homem mais simples o Homem liberto dá a impressão do mais simples dos homens.
    Ao altamente evoluído,reconhece-o como altamente evoluído,mas há certos aspectos em um Homem liberto que somente outro liberto pode perceber e compreender.Eis porque ele é um solitário,e sente-se como quem está no mundo,porém não é do mundo.

    AVANTE GUERREIRO

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  3. Diga não à glória cacarejante e viva o silêncio! rsrsr

    Falou, Fábio.

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  4. Colo aqui o que escrevera lá no grupo Vidráguas e seguimos.

    Raymundo...me despalavro em ti... confesso que também..."Prefiro vejam-me artista, é como me gosto ser, mesmo apoucado, aprendiz, seja como for ou quiserem. A arte, cuja matéria-prima é a palavra, esta sim, me apraz..." e sigo com tua leitura e com minhas palavras, para dizer que amo ler a todos por aqui, esse é meu religare, essa é minha conexão poética, minha ponte de descobertas. Amo os grande poetas, aprendo sempre, amo os aprendizes e aprendo sempre... e mais, como cresceremos intelectualMentes se não exercitarmos, se não trocarmos, se não nos colocarmos a beira de sins... nem tudo que escrevemos é poesia, nem tudo que escrevemos é alta literatura, sabemos disso, mas ao sermos escutados crescemos como sujeitos, como leitores, como poetas e escritores... a poesia é uma ecologia possível, sim!!! Beijos e bom estar contigo em leituras e amizade. Religare!!

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