terça-feira, 28 de agosto de 2012

"Os Acangapebas", por Sabrina Ximenes



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O livro de Raymundo Netto, Os Acangapebas, reúne contos que possuem quase uma temática linear, como uma história única, cheia de olhares e retratos. Logo de início, é elucidado que “acangapebas” significa “aqueles de cabeça chata”. Imediatamente me senti impelida a pensar a obra enquanto cercada de contos que permeavam nosso universo “cearês”. E apesar de desconhecidos e muitos, os personagens todos me pareceram muito familiares, como se fossem aqueles vizinhos de beira de calçada ao final da tarde.

Durante a leitura me peguei aplaudindo algumas narrativas um tanto mais do que outras, lembrando outros autores, revivendo histórias outras e mergulhando numa profusão de sentimentos e balanços propiciados pela narrativa que me entorpeceram.

Minha próxima afirmação pode parecer engraçada, mas é de um tanto real: Raymundo Netto tem ginga. Durante a leitura de alguns contos nota-se o quanto eles tem "samba", o quanto a história fluía como na cadência de uma música. As palavras rimam entre si de modo a dançarem, rodopiarem, levando a história consigo.

E o que falar dos neologismos, quantos tempotodotodotempo, peloamordedeus, calmacalmacalma... Em cada texto uma peculiaridade diferente.

Raymundo falou em muitas entrevistas e também nas conversas pessoais, o quanto o livro foi difícil de sair, um tanto doloroso, pois estava envolto em tantas questões, pessoais por demais, intensas... Bem, costumo dizer para os que ainda não leram ou vão ler o livro que essa dificuldade saiu por fim em uma bela obra. De fato, o mesmo Netto cronista tem uma ótima veia de contista. Dentre as histórias, temos algumas sombrias, talvez não só isso, agonizantes até. Com a presença de um riso que mais parece querer disfarçar a dor, o terror, existente em todos nós...

Alguns finais me lembraram Nelson Rodrigues, em seu histórico A vida como ela é , cheio de mortes, descobertas sinistras e alívios sem fim. Já outros me lembraram F. Sabino, como no conto do Juca em pelo, mas mesmo na lembrança, não havia mistura, era definitivamente outro autor que estava ali. Era um novo contista contemporâneo que soube muito bem mexer com as palavras, fazer jus a nossa terra tão cheia de ótimos escritores desse gênero literário, brincar principalmente com os sons e um ritmo que fez de Os Acangapebas um excelente livro para se ler (não a todo momento, talvez não, mas que fará muito sentido para os bons leitores que sempre desejam descobertas, não necessariamente prazerosas de si mesmo, mas cheia de possibilidade de um olhar para si).

Tenho alguns contos prediletos,admito. São eles: “Álbum de Fotografias”, “Domingo”, “Condomínio”, “Em Pregos”, “Portas Fechadas”, “Tara”, “Perfumen”, “Tragédia”, “Gêmeas”, “Anúncio ou O Espelho”, “Filho do Cão”, “Os Acangapebas”, “Intermezzo”, “O Circo”, “O Carnavalesco”, “Saudades”, “Cadeiras na Calçada”. Praticamente todos! E coloquei dois na íntegra aqui no blog [devaneios inconscientes].

Se eu for falar do livro inteiro, de cada um, um por um, não terminarei tão cedo. Tenho mesmo é que parabenizar Netto, pelo seu novo livro... e que venham mais. E, além disso, dizer que fiquei mesmo muito feliz de poder estar em contato com esse novo autor, dessa nova geração cearense que expande os horizontes para além do que se produz nas terras alencarinas. Que bom para todos nós.

O livro terá seu segundo lançamento amanhã no Teatro Emiliano Queiroz do SESC, a partir das 19 horas, vale a pena ir, conhecer o autor, adquirir o seu exemplar, enfim mergulhar nesse mesmo mar/sertão de histórias fabulosas, de mim, de você, de Netto.

Sabrina Ximenes, estudante de Psicologia,
estagiária do Escritório de Práticas Jurídicas da UNIFOR e, acima de tudo, leitora.

domingo, 26 de agosto de 2012

"Os Acangapebas", por Marcelo Novaes



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Eis que me chega pelo correio, de Fortaleza, um livro de contos de Raymundo Netto, curador da última bienal daquela cidade. Não se faz necessário colocar maiúsculas em títulos ou titulações, cargos, exercícios ou funções, apenas em nomes próprios. E seu livro tem nome próprio: Os Acangapebas. Os “cabeças-chatas”, em tupi-guarani. Os cabeça-chata, no singular, soaria bastante autêntico, em Sampa ou em latitudes nordestinas. Explico: as singularidades parecem cabíveis numa compreensão de gênero de vida: fado ou matriz existencial.

No telhado das casas de uma vila, aqui perto, miam os gatos. Se o cio humano ao menos deles se aproximasse, com a frequência com que cantam o acasalamento, seríamos todos erotômanos, a julgar pela curvas do gráfico sonoro que me é apresentado. E tendo esse afinado coro ao fundo, eu me debruço pelos cerca de quarenta contos deste livro em papel reciclado. Papel-pólen sempre me soa bem aos olhos e ao tato. Também prezo essas coisas em livro impresso: como tu, leitor, sou idiossincrático.

Ao ler contos curtos, espero que as palavras tremulem. Procuro sonoridades. Encontro-as, em todo o conjunto. Espero desfechos, com ou sem fecho, e aqui  estão eles, incisivos ou cirúrgicos. Alguns evocam sorrisos. Onde parece haver lacunas, entendamos: personagens são lacunares, como alguns de nossos balbucios do dia a dia deixam entender. Ou não? Assim se dá nos primeiros “Luzeiros” do livro, o conto inicial. A voz rouca dos corais pode arrematar a fala humana.

Espero, no entrever de luzes e sombras da palavra escrita, uma voz que soe própria. Raymundo Netto a tem, sem que me remeta a outros Raymundos Nonatos. Nonada. Em textos regionalistas podemos pecar pelo excesso de caricaturas. Não vejo excesso, mas certa poiesis na construção das falas e dos temperamentos. As mulheres todas me parecem bastante verossímeis, o que é virtude na pena de autor macho. Revela percuciência, no mínimo. Empatia, por certo, neste caso.

Os textos fazem eco ao coro dos gatos: incansáveis, ambos. Há muitos gatos pisando macio ou cinicamente por estes contos. Um sorriso outro, mais cínico ou cigano, que o sorriso do gato de Alice. Não é texto de voos, mas de rasgos e planitudes chãs. Seu vocabulário é construído na medida da necessidade suscitada pelos dizeres, daí a poeisis, sem artifícios. “A Mulher de Antes” aponta para uma anterioridade circular que lhe permite ser espelho para si mesma, sem precisar se mover. Quase.  “A Mulher dos Gatos” faz lembrar dos gatos que ouço aqui mesmo, enquanto escrevo. Mas há um “Gato”, solitário, em conto próprio que remete a certas disputas humanas e a certa troça de tudo isso, que não se confunde com o roçar febril das mucosas em perpétuo cio. “Cadeiras na Calçada”, “Bodega”, “Circo”, “Os Acangapebas”, revelam vozes fidedignas em suas ambiências, com o toque sintático-semântico de quem os apresenta. “O Homem que Virou Relógio” e o “Filho do Cão” maximizam nossos pactos, tantas vezes implícitos, para que se tornem legíveis em verboimagem. Nada é gratuito. Assim, o “Intermezzo” invertendo as cores de papel e texto, branco sobre negro, tem sua razão exposta ali mesmo, e reconfirmada ao término. Se Goethe clamava por luz ao estertorar, e se Van Gogh murmurava “não ter fim o sofrimento” na condição de tentar dar cabo ao seu [qual um Buda cego que chegasse ao veredito da existência-como-dor, sem saber como encaminhar o fato], Raymundo Netto apresenta sombras plenas de lume nelas embutido. Lumes adejando saudades. Ou “saudadejando de distâncias o horizonte”, como ele diria, no meu lugar.

Marcelo Novaes, para o blog “Dardo” (http://esteeodardo.blogspot.com.br/)

Nasceu em São Paulo, em 1961. Considera-se um psicanalista que escreve. Estudou música: Violão clássico e teoria musical. Publicou Cidade de Atys (Ateliê Editorial,1998). Tem um blog de poesia e outro de prosa poética, ambos já concluídos, segundo sua ideia de quatro anos atrás de fazer blogs finitos. Tem um blog-ensaio sobre ferimento narcísico e proscrição: “O Olho Que Nos Olha Nos Olhos”, a ser concluído em novembro de 2012. Não pretende mais publicar livros, pois está satisfeito com a escrita digital. Também colabora com a Revista Corsário. Blog de poesia:http://olugarqueimporta.blogspot.com.br/

"Os Acangapebas", por Rinaldo de Fernandes



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O livro de contos Os acangapebas (Expressão Gráfica e Editora, 2012), de Raymundo Netto, obteve o Prêmio Osmundo Pontes de Literatura, da Academia Cearense de Letras. O autor é conhecido cronista do jornal O POVO, de Fortaleza, e atualmente é editor adjunto das Edições Demócrito Rocha.

As narrativas do livro são compactas, breves, não passando de página e meia, em sua grande maioria. O sugestivo “Luzeiros”, que abre o volume, tem como protagonista um ex-pescador que produz “a canivetes” pequenas jangadas para vender aos turistas. O filho Francisco, que também se volta para o mar, representa a continuidade da tradição – ou a permanência da miséria dos que, nas praias cearenses, sobrevivem da pesca.

Carmosina, de “O mistério do sótão”, é uma personagem ambígua, enigmática. Ao mesmo tempo que é vista pelos feirantes como uma mulher áspera e “de fibra”, com seus “ataques matinais”, é também solitária, com uma profunda carência afetiva que a faz ter apego por uma boneca antiga, “de cabelos desgrenhados”, à qual se abraça, dizendo coisas do tipo: “– Oh, meu bebê, o que andou fazendo hoje, hein? Que saudade. E eu estava tão sozinha...”. Dramática personagem.

Apagada e infeliz no casamento, Cícera, de “Álbum de fotografias”, é uma personagem muito bem elaborada. Expressa a vida de mulheres que apostam e se anulam nos relacionamentos, que não crescem socialmente, inviabilizadas e/ou imobilizadas pela falta de liberdade. “Álbum de fotografias” é, nessa perspectiva, um texto exato, agudo. 

“Gato”, além do tema da solidão, a de um velho que tem como único e verdadeiro amigo um gato, joga com os interesses humanos. No caso, com a avidez dos que, decepcionados, esperavam obter a herança deixada pelo velho.

“A ventura de um morto”, em seu primeiro movimento, lembra “Uma vela para Dario”, de Dalton Trevisan – o indivíduo que, na rua, agoniza e recebe a indiferença dos transeuntes ou tem seus objetos surrupiados por aqueles que supostamente o “acolhem”. Mas no conto de Raymundo Netto a impiedade parece se intensificar. Diz o narrador: “Uma senhora, passando na calçada, o viu estirado, empastado, sujo e, aproveitando o sinal, o arrastou até uma viela próxima. Chegando lá, examinou à sua volta. Não viu ninguém. Arrancou-lhe um olho, correndo com um sorriso maroto nos lábios: uma córnea!”.

“Os pregos” retrata a rotina, as relações de trabalho desestimulantes e desfiguradoras do homem no mundo moderno.

No kafkiano “Trégua”, a protagonista não vira barata, mas é ameaçada o tempo todo pelos insetos na quitinete obscura onde passa a viver. Conto de atmosfera angustiante.

“Tragédia” tem um velho viúvo como protagonista. O viúvo tem grande apreço por sua estante de livros, de onde, certo dia, despenca um volume intrigante. Conto sobre solidão e loucura.
“Os acangapebas”, que dá título ao livro, é um conto triste, trágico. Uma nota, no pórtico, informa que a palavra “acangapeba” significa “cabeça-chata”. Assim, o conto metaforiza a migração cearense, nordestina. A morte da criança, ao final, ritualiza as perdas que, historicamente, os deslocamentos acarretam. Remete, por exemplo, à situação vivida por Bentinho e sua família em O quinze, de Raquel de Queiroz.

Em “A bodega” o contista flerta com o cronista (para não dizer com o sociólogo). Conto que traz diálogos rápidos e reproduz as falas e costumes da gente simples de um bairro de Fortaleza em contato com o acolhedor e carismático bodegueiro Toinho. Um retrato do modo de ser e viver de vários tipos da capital cearense, flagrados, com sensibilidade e certo humor, no universo de uma verdadeira instituição da cidade: a bodega. 
           
E seguem assim os contos de Raymundo Netto, que tem como marca estilística importante a invenção, aqui e ali, de neologismos, a exemplo de “saudadejavam”, “tempotodotodotempo”, “calmacalmacalma”, etc. Neologismos que surtem efeito positivo, enriquecem a frase.

O conto de Raymundo Netto, reitero, é compacto, sugestivo. Conto urbano, que flagra uma série de situações típicas do mundo atual. E que, seguramente, coloca o autor entre os bons contistas nordestinos contemporâneos. 

Rinaldo de Fernandes, para o Blog da Beleza (http://rinaldofernandes.blog.uol.com.br/)

Escritor e crítico. Doutor em Letras pela UNICAMP e professor de Literatura da Universidade Federal da Paraíba. Organizador do livro O Clarim e a Oração: cem anos de Os Sertões (Geração Editorial, 2002). Como pesquisador, fez os textos da antologia Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século, organizado por José Nêumanne Pinto (Geração Editorial, 2001). Autor de diversos livros de contos, como O Caçador (1997), O Perfume de Roberta (2010), Rita no Pomar (2009) e O Professor de Piano (2011) – os dois últimos foram finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura. Organizador das antologias Contos Cruéis (Geração Editorial, 2006), Quartas Histórias (Garamond, 2006) e Capitu Mandou Flores (Geração Editorial, 2008). Escreve para os suplementos Rascunho (Curitiba) e Correio das Artes (João Pessoa).

"Os Acangapebas", por Dellano Rios



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A Geografia Verbal de Raymundo Netto


Raymundo Netto: novo livro de contos avança sobre a poesia,
com histórias costuradas pela melancolia e
por uma linguagem experimental que reinventa o Ceará.


Não faltam aqueles que tomem um lugar qualquer por um ser vivo. Com humores, personalidade, pensamento e sentimento. Muitos escritores trabalharam, obsessivamente, na recriação de seu berço — caso do polonês Bruno Schulz, do irlandês James Joyce e do mineiro Guimarães Rosa.

O cearense Raymundo Netto não chega a tanto. Contudo, ele também se atem a uma geografia, mas uma geografia distinta, não aquela feita de gente e de terra.
A geografia que explora é, pois, a das palavras. Em seu novo livro, Os Acangapebas, ele constrói um lugarejo linguístico, que remete ao Ceará — em tempos e espaços múltiplos, a se entrecruzarem na busca de uma harmonia.

Os Acangapebas é um livro de contos, com a uniformidade de um romance. Raymundo Netto, aliás, já havia tencionado estes limites em seu trabalho anterior, o romance Um Conto no Passado: cadeiras na calçada, ganhador do I Edital de Incentivo às Artes da Secretaria da Cultura do Estado - Secult (2004). O novo trabalho também já coleciona dois prêmios, o Edital de Literatura da Secretaria da Cultura de Fortaleza/Secultfor (2007) e do Prêmio Osmundo Pontes de Literatura da Academia Cearense de Letras/ACL (2011).

Se a coleção de contos se assemelha a um romance fragmentado, tamanha a unidade de estilo e conteúdo das histórias ali contadas, também é necessário acrescentar à equação literária de Os Acangapebas a poesia.


Essa ligação, aliás, é sugerida pelo autor logo no início da obra, ao citar os versos do italiano Dante Alighieri, inscritos na entrada do Inferno, em seu clássico poema A Divina Comédia: "Lasciate ogni speranza, voi che entrate" (“Abandone toda a esperança aquele que por aqui entrar", em tradução livre).

E como todo bom poema, fica a cargo do leitor encontrar uma resposta para o que é dito. Afinal, de que esperança o escritor espera que seus leitores abdiquem, antes mesmo de atravessar suas páginas? Para arriscar uma resposta (e, portanto, sem garanti-la), ficaríamos tentados a identificar, aí, uma antecipação do estado de ânimo de boa parte das histórias ali contadas.

Netto as costura com uma melancolia persistente. Não chega a explodir em tristeza ou qualquer outro estado de alma mais sombrio. Contudo, está ali, a escorrer por este e aquele episódio, em pequenos dramas que, tal qual pedras colossais, não podem ser removidos. Talvez seja por isso que Raymundo Netto tenha escolhido "Luzeiros" para abrir o livro. A história é exemplar nesta melancolia: um velho pescador, que sempre enfrentou o incomensurável oceano, não consegue enfrentar os problemas que o dia a dia lhe traz. Destacam-se, ainda, histórias como "Ode ao Amor e à Morte" e "O Circo".

Dellano Rios (para o Diário do Nordeste)

Graduado em Comunicação Social -Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (2004) e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. Editor do Caderno 3 do Diário do Nordeste, foi monitor da Oficina de Quadrinhos da UFC. Tem experiência profissional na área de Jornalismo e Comunicação e, como pesquisador, atua nas seguintes áreas: comunicação, sociologia da religião, semiótica, oralidade, tradição e memória. Desenvolve pesquisas sobre devoções populares, oralidade, memória, narrativa e tradição e foi ganhador do Edital da Secult para Autores Cearenses, em 2010, com  O Povo fez sua Santa.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Lançamento "Os Acangapebas", de Raymundo Netto, no Bazar das Letras do SESC, dia 28 de agosto (terça)


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BAZAR DAS LETRAS, DO SESC/CE,
RECEBE O ESCRITOR RAYMUNDO NETTO.
28 de AGOSTO (terça-feira)
19h
TEATRO SESC EMILIANO QUEIROZ
Av. Duque de Caxias, 1701 – Centro (em frente ao DNOCS)
Preço especial no dia do Projeto/lançamento: 
R$ 15,00

RAYMUNDO NETTO é escritor, designer, quadrinhista e produtor cultural. Autor do romance Um conto no passado: cadeiras na calçada, ganhador do I Edital de Incentivo às Artes da SECULT/CE (2005), e dos infantojuvenis A Bola da Vez (2008), A casa de todos e de ninguém (2009) e Os tributos e a cidade (2011), todos pelas Edições Demócrito Rocha.
É cronista convidado do Caderno Vida & Arte do jornal O POVO desde 2007. Foi coeditor das revistas CAOS Portátil e da Para Mamíferos. Foi Coordenador de Políticas do Livro e de Acervos da SECULT, responsável pela coordenação editorial, membro do Conselho Curador da IX Bienal Internacional do Livro do Ceará, redator e elaborador do Prêmio Literário para Autor Cearense/2010 e um dos coordenadores da I Feira do Livro do Ceará em Cabo Verde/2011.
Autor de Os Acangapebas, coletânea de contos ganhadora do Prêmio Osmundo Pontes, da Academia Cearense de Letras (2011), e do Edital de Literatura da SecultFOR (2007). Atualmente é editor adjunto das Edições Demócrito Rocha. Mantém o blogue AlmanaCULTURA.

“(...) O conto de Raymundo Netto é compacto, sugestivo. Conto urbano, que flagra uma série de situações típicas do mundo atual. E que, seguramente, coloca o autor entre os bons contistas nordestinos contemporâneos.”
Rinaldo de Fernandes, escritor e crítico (PB)

“Ao ler contos curtos, espero que as palavras tremulem. Procuro sonoridades. Encontro-as, em todo o conjunto. Espero desfechos, com ou sem fecho, e aqui estão eles, incisivos ou cirúrgicos. Alguns evocam sorrisos. Onde parece haver lacunas, entendamos: personagens são lacunares, como alguns de nossos balbucios do dia a dia deixam entender. Ou não? Assim se dá nos primeiros ‘Luzeiros’ do livro, o conto inicial. A voz rouca dos corais pode arrematar a fala humana.(...)”
Marcelo Novaes, escritor (RJ)

“(...) Se a coleção de contos se assemelha a um romance fragmentado, tamanha a unidade de estilo e conteúdo das histórias ali contadas, também é necessário acrescentar à equação literária de Os Acangapebas a poesia.” 
Dellano Rios, jornalista para Diário do Nordeste (CE)



quinta-feira, 16 de agosto de 2012

"Alma Gêmea", de Marcelo Novaes (16.08)



Vilma está com as quatro patas no chão, com aquele ventre inchado e a cloaca voltada para o céu, a perniciosa e vadia. Ela tem faltado ao trabalho e eu deixo recados no celular. Está alienada e inválida e cheia de querer ser, perdeu seu fraco traço humanitário, a perspectiva de uma função social, a chance de ter alguma formulação bonita sobre as coisas, o ensejo de virar os doentes no leito e limpar-lhes as bundas. Ela está sem perspectivas e sem Deus, mas com meus manuscritos e minhas cartas de amor. E quando alguém me diz, "olha, você sabe quão poucas pessoas gostam de você, e Vilma é uma delas", eu adianto que nessa terra para alguns as coisas se encaminham para o nada, as amizades as fidelidades tudo se encaminha para o zero, e que elas não se importem nem gastem seu verbo porque para alguns desses chega a véspera do fim, o último amigo a derradeira esperança de consolo, e depois a miséria a noite o inverno de agosto, e passar a língua no dente cariado como último passatempo, e que esse dia é o dia definitivo de uma beleza contundente e terminal, e que não se preocupem em gastar saliva neurônios argumentos, porque eu já cheguei lá nesse lugar inóspito sem oxigênio, eu já cheguei ao heliotrópio negro invertido que é o ponto de breu em torno do qual o sol gira e some [o ponto no qual gira e some o sol]. A Vilma não trabalha mais, não atende aos doentes, e agora rouba as palavras dos outros, ela diz que são dela, diz que somos almas gêmeas, qual o quê. Quando eu deixo recado na secretária, ela liga de algum orelhão e berra esbraveja sem nenhuma noção, "sua estúpida filha de uma égua, isso aqui é meu, são minhas de direito as palavras, nós somos gêmeas mas você é quase pior do que eu", sem nenhuma noção nenhum critério e desliga. Assim vamos e assim não vamos. Toda impossibilidade de alcançá-la e meter-lhe a mão e arrancar-lhe os dentes. Devia ter uma atitude afirmativa desde lá atrás, desde quando vestia minha espiga de milho com uma saia, furava-lhe os olhos com tachinhas, e lhe chamava "minha filha, minha filha".

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

"Quando o Amor é de Graça XVI: Aguente o tranco e vamos simbora!", crônica de Raymundo Netto (14.8)




Cena final de filme, filosofia de vida em para-choque de caminhão: “Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier!”
Difícil definir vidas, tão diversas em essências e existências que, desprezando os frios conceitos fisiológicos e/ou filosóficos, dentre elas não há uma igual.
Penso na vida sempre como um “ponto zero”. As pessoas não sabem a que vieram, chegando indefesos, via impulsos primitivos voluntários ou não de seus pais, e sem condições de escolha. Vivem, simplesmente, porque existem, com a garantia de que “existir” não significa “viver”. Para alguns, sem dúvida, o parto é o certificado de sua condenação eterna. Certa mesmo na vida, sem exceção, apenas a morte, figura malquerida por uns, ambicionada por outros, experimentada todos os dias pelos mais afoitos e relaxados, mas também por todos nós, a cada dia cumprido. A vida, sem engano, nos apresenta a morte.
Tive e tenho amigos suicidas. A maioria apenas praticante — os “bungee jumpers”, outros poucos, entretanto, alcançaram êxito em seu ritual de adeus. São pessoas solitárias e ensimesmadas, mesmo quando entre amigos — muito seletos — aparentam espirituosidade e alegria. Em geral, são queridíssimas, gostam de dar conselhos, preocupam-se com outros, distribuem esperança. Irônico isso: distribuem aquilo que não trazem ou será que assim se esvaziam de toda ela?
Para mim é claro que a recusa dessas pessoas não é à vida, mas, sim, à Humanidade, este ser misterioso, interesseiro e hipócrita, semeador de mentiras, ganâncias, vaidades, exploração e maldade misturada com a mania de ter e consumir. Os seres humanos, coitados, em milhares de anos de uma discutível “evolução”, tornaram-se mecânicos, frívolos, capazes de acreditar e repetir discursos manipuladores e clichês, de defender avidamente os mais torpes princípios dos outros, inconsistentes, incapazes de pensar por si, de entender os outros, de perceber a essência das coisas e das pessoas, de descobrir que a vida é colorida pela diferença e não pelo padrão.
Da mesma forma, muitos vão, religiosamente, aos seus templos sagrados movidos pelo supremo egoísmo, rogando apenas por si e pelos familiares, esperando com as suas “bocas escancaradas e cheias de dentes” a gloriosa salvação de céu doirado, enquanto fora do vestíbulo navicular chutam cachorro magro, acumulam seu usufruto, fecham os olhos ao sofrimento alheio e espalham o preconceito e a superficialidade.
Quando me empaterneci, passei a sentir todas as crianças ao redor como minhas. É uma sensação engraçada. Emocionam-me as crianças, mesmo as desconhecidas, com uma ternura que antes não conhecia, de forma que o sofrimento do filho alheio passou a tocar-me profundamente. Talvez esse amor pelos filhos seja o único que nos consiga desviar o pensamento do absoluto ego.
Assim, o caso do garoto João Felipe, de 17 anos, brasileiro, arrastado pelo mar revolto e frio da Nova Zelândia enquanto escalava uma rocha do Parque de Paritutu, com amigos e instrutores de uma escola, deixou-me inquietado.
Hoje, “dia dos pais”, data festejada e alegre, não consigo deixar de pensar como seu pai, o Célio, deve estar se sentindo. Li sua declaração na confiança de ainda encontrarem o filho: “Ele (o filho) é um cara danado”. Nesse momento, sei, tantas imagens passaram-lhe à frente, coisas que o mar não conseguiria levar. Como deve ser difícil soltar a mão delas e simplesmente ultimar o aceno à esperança. Eu também acredito na volta de seu filho. Como acredito. Porque a volta nada tem a ver com a partida. A volta é simplesmente um nó que não se desfaz, onde o tempo, o espaço e a matéria não existem. A volta é a certeza do reconhecimento de um amor verdadeiro e dedicado por toda uma vida. Vi um vídeo do garoto na internet e percebi que ele já conhecia o que muitos procuram, em vão, por longeva vida... e era muito feliz!

terça-feira, 14 de agosto de 2012

"Avenida dos Ventos", de Maria Thereza Leite, na Cultura (23.08 - QUI)

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Lançamento
Data: 23 de agosto de 2012, às 19h
Local: Av. Dom Luiz, 1010 (Shopping Varanda Mall)

Sobre a Obra:

Acabo de chegar de uma fantástica viagem ao mundo encantado da ilusão. Passageira de primeira classe, sorvi cada detalhe desses caminhos tão doces, tão densos, tão misteriosos, tão únicos. Usando o ritual que se deve exercer ao tomar um bom vinho, assim procedi. Absorvi as paisagens desta Avenida dos ventos com recolhimento, atenção e respeito. Fiquei abastecida. O livro, singular e belo, nos toca a alma, transmutando-nos em andarilhos sedentos e curiosos ao que nos conta esta artesã do conto.
Thereza Leite resgata do esquecimento a Avenida dos ventos numa alegoria de prazeres, encantos, dores e surpresas. Cuida, outrossim, que o tempo não caduque, temerosa de que percamos de vista essa avenida e suas ruas, oficinas, parques, sobrados, domingos, ribeirões, labirintos e ventos. Esses, mencionados na quase totalidade dos contos, o que vem a conferir unidade à obra.
Destaque ao feliz emprego das metáforas, certamente responsáveis pela beleza, iluminação e movimento das estórias. Ressalte-se no conto primeiro o perfeito emprego metafórico: “A avenida já queria se mostrar, mas ainda não tinha sido peneirada”. Ou ainda na “Oficina do segredo”: “As flores inquietas no vestido”. Passagem de igual beleza no conto “Ribeirão do tempo”: “A casa tinha sido amordaçada”.
Thereza Leite, já consagrada contista, detentora de vários prêmios literários, convida-nos ao encantado mundo “onde nascem os ventos gemidos”. Toma-nos a mão para galgarmos “O Sobrado”. De lá, “As visões do labirinto” ultrapassam “O ribeirão do tempo”. Portanto, não há pressa. A Avenida dos ventos ai está. A nossa espera. Cheia de encantos...

Neide Azevedo
Escritora e membro da Academia Cearense da Língua Portuguesa


Thereza Leite é uma contista urbana. Canta a cidade pelo viés da memória. Ganha prêmios literários aqui e em outros estados. Agora nos aparece com essa sua coletânea de contos com o sugestivo título de Avenida dos ventos. Apesar de ser produto de elaboração ficcional, percebe-se, ao longo das narrativas, a presença de logradouros fortalezenses que nos são familiares. O principal desses espaços sugeridos é a avenida Desembargador Moreira.
Essa avenida, no entanto, é fantasiada como espaço onde o vento faz seu ninho para anunciar situações fantásticas. São sobrados, casarões e prédios antigos que falam pelos corredores, suam e sangram. Há uma permanente personificação de velhas construções, onde a vida ainda lateja, apesar do abandono. Há uma poética brotando de cada espaço. Os compartimentos são os personagens mais importantes, porque os que ali habitaram, deixaram suas falas que foram incorporadas pelas paredes, pelas escadas.
São histórias tão próximas entre si que parece estarmos diante de um romance e não de um livro de contos. Os aconteceres se entrelaçam e nos transportam para situações sombrias onde a atmosfera de um fantástico aliciado nos põe diante de um iminente aparecimento de fantasmas. Toda a fantasia ali bordada só poderia provocar o nome de “Labirinto”, para o prédio. Mas o próprio texto que se ergue é um prédio abandonado em que o tempo e o vento instauram labirintos.
Essas narrativas de Thereza Leite trescalam corporeidades adquiridas em estruturas de cimento e aço que perdem sua ossatura original e se põem no papel em forma de mitopoéticas imagens. É preciso, pois, que o leitor adentre os compartimentos do texto porque é nele onde todas as velhas construções criam fôlego e falam, verberam e chegam a protestar contra a especulação imobiliária que se torna uma especulação linguística, onde cada palavra pensada precisa do aval do vento, do tempo e das argamassas.
Essas argamassas são antolhos que protegem paredes espiãs, sempre vigilantes diante dos aconteceres no casarão. Nada fica impune aos olhos da casa. A tragédia que ocorre em “Ribeirão do tempo” parece ter depositado nas fundações do mistério, a verdadeira autoria do crime. Entretanto a velha casa presenciou tudo e não perdoa. E mesmo amordaçada, sua voz se liberta pelo alfabeto do vento, diante das inúmeras obrigações herdadas. As pistas para a elucidação do crime são dadas pelas coisas.
Numa tarde de sábado a casa presenciou a tragédia. Pai e mãe mortos a tiro e dois irmãos também assassinados, ficando incólume apenas o filho doente, com a arma na mão e o caçula que não se fez presente. Muito estranho, muito claro, aquele filho doente com a arma na mão. Então para o deslindar do mistério entra o fantástico como explicador. “O crime chocara a cidade, e, dentre os muitos conhecidos que fizeram parte do cortejo, dentro do cemitério, alguns estranharam que os caixões de madeira nobre, que não podiam vazar, seguissem pingando sangue! Porque, dizia a superstição, quando na hora do enterro os caixões vazavam, isto significava que o assassino estava presente.”
“Avenida Feita de Ventos” propõe-se, principalmente, ser classificado como um livro de contos. E consegue, mas nem totalmente. É como alguns livros de contos de Clarice Lispector que trazem na ficha catalográfica o aviso de que é de contos, e o leitor termina por identificar, no seu interior, algumas crônicas. No caso de Thereza Leite, esse fenômeno ocorre em alguns momentos como em “Oficina do Segredo”, “As três Marias” e “Azul com tarja vermelha”. Nesse último, o leitor identifica logo, o fato ocorrido na avenida e de que a crônica policial se alimentou por alguns dias. Esse comportamento da escritora não desmerece a qualidade de seus textos. Não é preciso rotular e sim reconhecer seu mérito de narradora. Verdadeiras ou fantasiosas, suas narrativas se impõem pela lapidação utilizada na arte de contar.
Mesmo com o foco sobre “A avenida dos ventos”, o que aparece em todos os contos, o que caracteriza as narrativas de Thereza Leite é sua diversidade de abordagem. Ela demonstra conhecimentos tão variados que até parece ter feito pesquisas antes de escrever cada texto. Um bom exemplo é “Base para Unhas Fracas”. Esse é um conto antológico, a culminância do livro. Há tantos conhecimentos antropológicos em torno da condição feminina em várias partes do mundo, que o leitor às vezes suspende sua atenção ao enredo para mergulhar no ensaio em que se torna o texto. Entretanto emerge para a narrativa porque a rebeldia da personagem é exemplar ao se posicionar nua repintando um outdoor.
O que cativa mais nas narrativas de Thereza Leite é seu pendor por apresentar saberes. Não são intertextualidades. São conhecimentos que surpreendem o leitor, e que se revestem de um aspecto até didático. O livro ensina além do que se propõe. Há conhecimentos de Antropologia, de Comunicação, de ambientação e dos meandros da linguagem. Sua arte de narrar envolve todos esses aspectos. Avenida dos ventos é um livro saboroso, sinestésico, com gosto de maresia. Nele, o leitor entra pela ficção e sai pela realidade, pois seus signos nos remetem a uma paisagem que termina por nos ser familiar: Fortaleza.

Batista de Lima
Escritor, professor e membro da ACL

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Lançamento "Bolsa de Mulher", de Simone Pessoa, na Cultura, em 18 de agosto (sábado)

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Lançamento
Data: 18 de agosto (sábado) de 2012, às 18 horas.
Local: Livraria Cultura (Av. Dom Luis, 1010, Ljs. 8,9 e 10).
Fone: (85) 4008.0800
Preço de capa: R$ 30,00
Contato Armazém da Cultura: (85) 3224.9780


“As crônicas, belas crônicas, de Simone Pessoa têm um objetivo central: a sensibilidade. Não, não penso no chavão da “sensibilidade feminina”, mas em algo que a ultrapassa, e que é marca e definição do humano.”
José Castello

"Li no domingo, deitado na rede de minha varanda, um texto leve como uma pluma em Plutão", é o depoimento de um leitor do livro Bolsa de Mulher, de Simone Pessoa. Afinal, seu livro de crônicas não é destinado somente para mulheres e sim para pessoas sensíveis e curiosas sobre o olhar feminino para cada lance da vida, independentemente do gênero, etnia ou credo. A título de metáfora com o livro-bolsa, a autora pesquisou o conteúdo de bolsas de mulheres e identificou uma infinidade de objetos. Portando, por exemplo, chaves, cartões de crédito, orações, celulares, calculadoras, alicates, absorventes, camisinhas, a mulher contemporânea está atenta ao mundo, com praticidade e senso de adequação ao que o ambiente, quer seja profissional, doméstico ou de lazer, exige.

A seleção de crônicas, plena de vigor, sugerida pela própria autora ao Armazém da Cultura, inspira a editora a adotar uma nova nomenclatura aos seus formatos: o livro de bolsa, aquele que você não pode sair sem ele. Iniciando com Simone Pessoa, a quem os seus leitores escrevem: "Não pare um só dia de escrever..." o Armazém da Cultura introduz o gênero crônica em seu catálogo, com 80 textos de muita leveza e serenidade, reflexões de uma desenvolta autora e bem resolvida mulher, selecionada pelo Programa Cultura da Gente, do Centro Cultural Banco do Nordeste.


"Quando idealizei este livro, me veio logo a imagem de uma bolsa de mulher, inspirada na crônica homônima que eu havia publicado na estreia de minha coluna no jornal O Povo, de Fortaleza. Percebi que as crônicas que eu ia escrevendo e publicando na coluna seguiam, de certa forma, o mesmo princípio de uma bolsa de mulher: primavam pela estética e funcionalidade; pretendiam abarcar anseios e necessidades humanas; continham surpresinhas, coisas cheias de significado e grandeza, outras com pouco sentido ou mesmo supérfluas - nunca se sabe se vão ou não ter serventia.... Enfim, atinei que, no bojo de meus textos dominicais, havia uma universalidade caótica, característica da bolsa de mulher.

Influenciada pela ideia do livro e por desejo traquinas, resolvi pesquisar o conteúdo das bolsas de mulheres de meu relacionamento.

A tirar pela minha própria bolsa, onde mantenho uma porção de coisas que considero imprescindíveis, encontrei, com as mulheres que abriram suas bolsas, uma coleção de objetos pitorescos e, claro, essenciais que os homens nem imaginam. Mas agora — que as mulheres me perdoem a indiscrição — ouso revelar neste livro-bolsa.

Por meio de crônicas de todo jeito e para todo gosto, serão descortinados temas palpitantes como amizade, casamento, questões domésticas, morte, ética, comportamento, preconceito, vaidade, visão de futuro, envelhecimento, solidão, dilemas, medos, viagens, escrita, diversidade, saúde, prazeres, perdas, filhos, netos, carências afetivas, tédio, superstição, maturidade.

Embora, no primeiro instante, se possa supor que o Bolsa de Mulher seja destinado apenas às mulheres, creio que os homens serão igualmente contemplados. Como olheiros privilegiados, disporão de oportunidade singular para apreciar aspectos do suposto universo feminino e, neles, espelhar seus próprios anseios e suas necessidades existenciais que vão além das questões de gênero.

Assim, torço para que este livro-bolsa faça sentido para você, leitora, e sacie (ou aguce), de uma vez por todas, leitor, sua curiosidade sobre o conteúdo 'misterioso' de nossas bolsas e mentes."

A autora

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

"Coisas Engraçadas de Não se Rir XXII: Eleitorto!", de Raymundo Netto para O POVO (1.08)


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As eleições se abancaram em nossa porta mais uma vez. Que droga!
Período feliz, entretanto, para as empresas que trabalham com assessoria de comunicação — principalmente aquelas que não se vexam com o abuso da capacidade de mentir e enganar por trinta e poucas moedas; que pagam discretos silêncios dos colegas nos meios de comunicação; que patrulham aqueles a revelar o já tão sabido: tudo é espetáculo! O que importa é o partido e o poder. Só! Aliás, não deveriam se chamar “partidos” e, sim, “unidos”, tão iguaizinhos se tornaram nessas P-bandas, só se denunciando após desquite amigável e temporário.
Também felizes aqueles que compensam o marasmo de um ano inteiro na geração de renda palanqueal, tamanho o investimento dos candidatos. Os cabos eleitorais, aqueles geralmente chatos e inabilidosos em quaisquer outras coisas, senão em assediar eleitor, que ficam pendurados nos quadros de gabinetes de órgãos públicos e ninguém sabe exatamente o que fazem, para que servem e ao que vêm, também se alegram, pois finalmente “mostrarão trabalho”, lembrando ao gestor-quadrilheiro a razão de ser carregado no dorso e na cangalha do povo por anos a fio.
Também felizes aqueles que não deram certo na vida e que veem na política a sua redenção — uma megasena em prestações não tão suaves —, a oportunidade de, com certo investimento, conseguir a almejada independência financeira, não pelo salário parlamentar, claro, mas pelas negociatas ad referendum e favores em frágeis licitações no exercício do sacrifício público, prática colonial arraigada com naturalidade, inclusive, na mentalidade do eleitorado que faria exatamente a mesma coisa, tivesse disposição, tempo e dinheiro para investir nessa empreitada. Aliás, que lógica há para que se gaste tanto, desfazendo-se inclusive de patrimônio pessoal para apenas servir ao povo? Da mesma forma, o que faz com que esses capitalistas ferozes, que não investem em nada que seja de outrem, abram, de repente, as portas de seus cofres para eleger alguém que vai APENAS servir ao povo?
Igualmente felizes as strippers e seus bundões de protesto, os palhaços, os empresários — que o povo inocente acha que por ter dinheiro não hão de precisar “roubar” —, os apresentadores de programas baratos e de audiência na canela — cujos ouvintes e telespectadores foram formados para não ter crítica —, além dos pastores milagreiros e líderes de associação envenenados pela popularidade transversa, todos beneficiados pelo sem noção “voto obrigatório”, grande responsável pelas centenas a milhares de votos que, num passar de vistas de jornal, seriam improváveis. Fosse o “voto livre”, os eleitores “kamikazes” de todos nós — cidadania é conquista e não obrigação — correriam no feriado para ir à praia, beber cachaça, comer caranguejo, ralar na boquinha da garrafa e discutir a bunda poliédrica da Gabriela. Deixaríamos lá, onde seriam felizes, enquanto cairiam nas urnas apenas os votos dos que pensam no coletivo, que acreditam em alguma coisa e que trazem algum critério na seleção desses caras. Imagino campanhas e debates, um dia, mais qualificados para, então, eleitores conscientes e não tão fáceis de levar no bico por promessas tradicionais.
Assisto à propaganda política, faz tempo. O roteiro não muda! Os candidatos, canastrões sorridentes, cruzando vielas sujas, esgotos a céu aberto, beijando crianças desnutridas — as primeiras a serem traídas —, brigando por mãos magras, “ouvindo” os idosos — os mais perigosos tentam andar de skate, sobem em jumento, dançam forró... Chego a ver a indignação daquele, suando demais em estranha favela, e percebo uma lágrima quase a cair de seu rosto. Deve pensar: “E ainda existe lugar assim? Eu, hein? Se for eleito, Deus me livre aparecer por aqui outra vez!” Mas ele voltará, sim, e o quadro não estará diferente... Talvez, pior.
Cinegrafistas presentes, muito dinheiro gasto em campanhas, no palanque todos adesivados sorriem muito, pactuando a futura vaga no gabinete. O candidato, inexperiente, cospe no microfone quase sem voz: “Isso tudo vai acabar, meu povo!”. É aplaudido pela multidão que ri e sabe: “Mas é claro que não!” Por ora, pedem uma camiseta, tijolos ou telhas, uns espelhinhos e colares de contas e uma foto banguela ao lado daquele que nunca mais verão, quando apertam-se afetuosamente para o retrato: “Ah, doutor, que nós vamos votar é em você... também!”