quarta-feira, 6 de março de 2013

"O POVO: 85 anos presente no Ceará IV", crônica de Raymundo Netto para O POVO


Paulo Sarasate: o alter-ego de Demócrito Rocha

“Guerra, pois, à adaptação das estranjas. Peia na literatura importada, cheirando à maresia. E fique somente o elemento nacional, espontâneo, claro como as manhãs tropicais, atrevido como o gato das selvas, bravio como o maracajá da pele pintada.”
Paulo Sarasate, em Maracajá, maio de 1929.

Aquele rapaz magro, de olhar inquieto, com apenas 21 anos, o Paulo Sarasate, a se apresentar para trabalho com Demócrito, não era completamente um estranho. Filho de Henrique e Júlia Jorge. Ele, músico; ela, professora. Aliás, seu nome vinha de Pablo de Sarasate, violinista e compositor espanhol falecido justo no ano em que nascia: 1908. Quando Demócrito sofreu a agressão de policiais, dois anos antes desse encontro, recebeu em sua casa a visita solidária de diversas pessoas, dentre elas a do maestro Henrique Jorge, que tocou seu violino, para comoção geral dos presentes, fato gravado na memória da família do jornalista.
Paulo, na época, cursava Direito. Em 1926, criou a revista A Farpa, juntamente com os colegas da Faculdade: Plácido Castelo, Perboyre e Silva e Parsifal Barroso. Os artigos eram inflamados, provocadores, exercendo oposição ao governador Moreira da Rocha, o mesmo autor da represália contra Demócrito, valendo a prisão dos três rapazes.
Assim, no dia 9 de janeiro de 1929, o cabeçalho de O POVO, ao lado do nome do diretor Demócrito, trazia o de Paulo Sarasate, na função de “redator-secretário”. Segundo José Raymundo Costa (1), Paulo não era apenas redator, mas “revisor, repórter, noticiarista e diagramador”. Na época, jornalista era feito na redação, a partir do exercício de um tudo. O próprio Paulo conta que chegou a ver Demócrito, na falta de repórter policial, ligar para delegacias para colher relatos de crimes. Ao contrário do fundador, Paulo era mais afeito às coisas da administração, às burocracias, e passou a tomá-las para si, enquanto Demócrito ficava mais livre para criar, mexer com “as gentes” e escrever, às vezes, colocando em risco a própria liberdade e existência do jornal. Paulo abraçou a causa e se tornou rapidamente o braço direito dele em O POVO. Foi ao lado de Sarasate que Demócrito criou a sua ousada Maracajá e escreveu o poema “O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta”, que, segundo Moreira Campos, “falou [o poema] por todo um povo. Foi um canto de dor e revolta, elegia em voz uníssona e ardente de um Ceará dessangrado”.
Rachel de Queiroz afirmou: “Com Demócrito seguimos quase todos, entusiasmadíssimos. E no seu jornal estamos até hoje [1998], os sobreviventes desses setenta anos de luta e glória. N’O POVO se formou Paulo Sarasate, o sucessor de Demócrito após sua morte prematura, já então praticamente seu filho, condição que sacramentou por amor, casando com a filha Albanisa.” De fato, ao ser convidado por Demócrito Rocha para almoçar em sua casa, conheceu Albanisa, a filha mais velha. Creusa, sabendo-lhe filho de quem era, logo o acolheu como da família.
Em 1930, Paulo concluiu o Direito e, mesmo no jornal, assumiu a secretaria da Faculdade de Direito. Posteriormente, foi Inspetor Federal e Procurador da Junta das Sanções.
Em 1931, juntamente com Alfeu Aboim, viajou para o interior cearense em campanha de assinaturas como estratégia de expansão d’O POVO, importante momento de progresso comercial da empresa.
Em 3 de setembro de 1936, Paulo e Albanisa se casam no Rio de Janeiro — Demócrito ocupava assento na Câmara Federal, na época, e só aceitava o casamento da filha após a sua formatura. Voltaram a Fortaleza, em poucos dias, passando a viver na rua Assunção, 20.
Fundou, com Filgueiras Lima, em 1938, o Instituto, depois Colégio, Lourenço Filho. Também em 1938, período de grande crise afetando a imprensa nacional, implementou outras medidas de caráter profissional ao  jornal, dentre elas, a criação dos “Anúncios Populares” (“vinte palavras por 1$500 – pagamento à vista”). Essa nova organização fez com que rapidamente se adquirisse novo maquinário, melhorasse o rendimento das máquinas e a qualidade de trabalho, ao tempo que as práticas mais artesanais e obsoletas eram, aos poucos, sendo substituídas pelas mais modernas. “Além do mais, contribuindo para esse apoio havia a posição progressista do jornal, sempre se harmonizando com aqueles anseios mudancistas, na qual se firmava a liderança de Demócrito”(2).
Em 1942, publicou uma coletânea de palestras difundidas pelos microfones da Ceará Rádio Clube, cujo título era Porque devemos combater o nazismo.
Com a morte de Demócrito, em 1943, é ele a assumir a direção de O POVO, afastando-se apenas temporariamente, ao assumir cargos públicos (foi deputado, governador e senador).
Na política, suas maiores contribuições foram na área educacional e dos esportes, obtendo recursos para construção de ginásios e escolas profissionais na capital e no interior, no impulso do desenvolvimento da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, auxiliando na criação e aparelhamento da Universidade do Ceará (atual UFC), além de prestar imensa contribuição para a criação da SUDENE e do Banco do Nordeste.
Em 1956, diante da rotina, a indesejável, de um governador, começou a sofrer problemas de saúde que o fizeram renunciar. “Deixou o governo com a saúde abalada, com os bolsos vazios, com a alma amargurada, com o espírito abatido”(3). Candidatou-se, porém, em 1962, à Câmara de Deputados, e, em 1966, elegeu-se senador da República, período em que recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, por todo apoio oferecido à instituição.
Em 1968, teve que submeter-se a uma cirurgia na próstata, no Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro. Após a intervenção, conversava com visitas quando sofreu repentina embolia pulmonar, falecendo. Seu corpo foi velado em Fortaleza, no Palácio da Luz, atual sede da Academia Cearense de Letras. Depois foi levado ao cemitério São João Batista, passando antes, para adeus final, na sede de O POVO, sendo saudado pelo jornalista J.C. Araripe.
Seus restos mortais repousam ao lado (sob uma mesma laje) de seu amigo e mentor Demócrito Rocha. 
Paulo e Albanisa nunca tiveram filhos.

Em tempo: em 1980, a Associação dos Professores de Estabelecimentos Oficiais do Ceará/APEOC concedeu a Sarasate o título de “Patrono do Magistério Público do Ceará”.

(1) Memória de um Jornal, 1988.
(2) José Alfredo de S. Montenegro, em Demócrito Rocha: o poeta e o jornalista, EDR, 1989.
(3) Artigo do jornalista Luís Sucupira para O Nordeste.

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