quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

"Para Onde Foi a Literatura (Cearense)?", Raymundo Netto para O POVO (12.12)

... então que Roland Barthes e o seu editor Maurice Nadeu deveriam estar tomando uma caipirinha despretensiosa na calçada de um bar de copo sujo, ao lado do Bois de Boulogne cabeça-chata, quando Nadeu nadou e disse: "Para onde vai a literatura?" Barthes, que é rapaz sério, fuzila: "Para a sua perda!"
Ficariam ali entreoras, sob a proteção de são Gay-Lussac, a travar uma batalha de sexos angelicais, não fosse o desenlace blanchotiano que surgia pintado de vidro no fundo da garrafa: "Vai direito a si mesma. Direito à sua essência, que é a sua desaparição!"
Encoberto pela página do "Quinzaine Littéraire", Nadeu folheava Marquês de Sade quando revelou: "Bonito isso, mon ami: 'desaparição'"!
Pois é, Dizem que os Cães Veem Coisas, mas nem eles viram aonde foram parar as disciplinas optativas de Literatura Cearense I e II da Universidade Federal do Ceará. Provavelmente, graças aO Semeador de Ausências, mais um semestre de Portas Fechadas... Desaparição? "Podemos dizer que existe o SER porque existe o NADA?", berrava uma frágil mosquinha num copo de leite azul.
Barthes, num semiócio óbvio e obtuso, pondera que se a morte do autor é o nascimento do leitor, a morte do leitor o que é? Violação? Nadeu olhava para o céu imenso e insignificante e, numa solidão essencial, imaginou uma escrita do desastre cair do azul, como haicais, em doces Lanternas Cor de Aurora...
Há quem diga que na Minha Terra, se falar numa literatura cearense é como encravar à profana cabeça uma Coroa de Rosas e de Espinhos. É só esperar: A Machadada vem certeira!
"Maldita, a literatura é mal dita!", insistia a mosca a tocar piano no salão das fuças de Barthes.
Eu mesmo soube na semana passada que uma amiga, formada em Jornalismo e estudante de Letras, procurou um orientador para seu trabalho de pesquisa sobre Oliveira Paiva. Falou com algumas pessoas, conversou aqui e ali até encontrar quem a orientasse... em Belo Horizonte de Minas Gerais. Disse-me que o pretendente mineiro a orientador quedou-se fascinado pelos movimentos literários do Ceará no século XIX. Curioso, não? Mesmo acreditando que Homem Não Chora, mas em seu Coração de Menino os olhos Dolentes teimam em derramar as Lágrimas de um Crente. Assim, se vão jovens pesquisadores, feitos Aves de Arribação - "o cearense tem que voar pra fazer seu ninho" -, para construir  nO País dos Ianques o que poderia naturalmente construir na sua aldeia, não fosse o profeta de sempre desprezado em sua terra. Tem nada não, Cante Lá que eu Canto Cá, e, De Sonho em Sonho, nós vamos engabelando essa Senhora desaparição.
"Não Há Estrelas no Céu...", reparou Barthes em Exercícios de Contemplação num fragmento de um discurso amoroso.
"Nem Nada de Novo sobre o Sol", arremata Nadeu, já acostumado em retirar tesouros do Inferno e enfadado com tanto marasmo nesse Latifúndio Devorante, a tomar no corpo a suA Noiva do Tempo, diante da Tentação submissa Onde Repousam os Náufragos, Na Última Curva da Esperança, feito Poesia Perdida, em busca de voltar para suA Casa, essa Terra Bárbara com  Alma Ansiosa de Musa Risonha a luminar Sugestões ao Luar.
E nessa Conversa Fiada, iam amolando a língua na fofoca míope das Cenas e Tipos da província intelECAtual, um verdadeiro Caminho de Pedras, à procura de O Sol de Cada Coisa, sem se importar se o desejo seria o remédio para angústia. Entre tantos, diante de  O Sacrifício, suplica a jovem literatura: "Voe Comigo Quando Desmorrer!" Relampejado o céu-luz, ecoa do alto O Canto Novo da Raça, A Última Quimera que renasce de uma Chama Extinta, O Mundo Perdido numa Ponta de Rua. Atravessamos as Águas Mortas dos discursos vazios, das desculpas esfarrapadas, da ausência de transgressão e, sem nos preocuparmos com a Dimensão das Coisas, assistimos ao tempo que passa no Galope de Pégaso, com a certeza derradeira e fulminante de que o Silêncio é (apenas) uma Figura Geométrica.


9 comentários:

  1. Bravíssimo, Raymundo! Temos uma grande dificuldade em pesquisar a literatura de nossa própria terra - eu mesmo venho enfrentando um verdadeiro périplo atrás de alguém que me oriente em um eventual Mestrado... É uma lástima, estou num VASTO ABISMO, sentindo-me um NAVEGADOR que, no seu ITINERÁRIO, anda, anda por essa BABEL, mas sempre volta à ESTACA ZERO. Abraço!

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  3. Antes de tudo, parabéns pelo texto! Racional, crítico e poético. Marcado pela belíssima intertextualidade com os títulos da nossa literatura. Ele é, ao mesmo tempo: protesto, manifesto e homenagem. Lê-lo provocou em mim o desejo e o prazer de comentá-lo com um exemplo do que falas. Por isso, permita-me deixar aqui o meu desabafo/depoimento de concordância com o conteúdo dele. Eu sei muito bem o que é isso. Eu senti esta "machadada" quando quis, na dissertação de mestrado, estudar um poeta cearense. Independente da obra do referido poeta, Pedro Lyra (pronto, disse!), agradar ou não a uns e a outros (aqui não vem ao caso o gosto, mas a proposta de leitura e de análise). Tive grande dificuldade para conseguir um orientador (declaro o meu eterno agradecimento ao querido Prof. Carlos d 'Alge que aceitou me orientar). O pior é que tive que ouvir frases do tipo: - "Mas, Hermínia, com tantos poetas, você vai escolher logo o Pedro Lyra?" "Por que você não escolhe um nome da literatura "nacional"?" (he he he). E disseram-me mais: - "Sua dissertação está fadada a mofar em uma gaveta para sempre". Ironia do destino: a própria UFC publicou a minha dissertação em livro e, logo em seguida, incluiu a obra do poeta como uma das leituras obrigatórias para o vestibular. O que contradisse a maléfica pregação em relação ao meu livro, à época, minha dissertação. Bom, espero que esta realidade mude. Que venham eventos e disciplinas e publicações para valorizar e fortalecer a nossa literatura. Abraço, Raymundo.

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  4. Herminia Lima,falou e disse tudo.Concordo "COMTODASASLETRAS", dessa "CRÔNICACRÍTICA".ou será "CRÍTICACRÔNICA", Raymundo Netto? rsrs

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  5. No Brasil não tem escritores e filósofos e, nem "altura suficiente", que sirvam para pesquisas, porque o outro de outra língua e pátria
    firma destaque de sabedoria. Pobre e desprezado escritor brasileiro... continuam na colônia...

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  6. Parabéns amigo Raymundo pelo texto,só fui apresentada a literatura cearense quando me interessei pela leitura de escritores que pra mim viviam no anonimato, sem a glória do sucesso e assim busquei conhecê los em suas obras, como também acompanhei a publicação da coleção da UFC, contemplando escritores cearenses.Hoje tenho o prazer de pesquisar, conhecer e ler nossos autores Ah, gostei dos títulos citados, alguns já li. Abraços!!

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  7. Querido Raymundo Netto, li seu texto sobre a Literatura Cearense e desde já manifesto minha admiração pelo artesanato metalinguístico nele empregado, qualidade que tem o encantamento de agradar, esteja o leitor de acordo ou não com a opinião nele expressa.

    Não sou professor de Literatura Cearense, e sim de Literatura Portuguesa, portanto não falo como a necessária ciência sobre o tema. Mesmo assim, cheguei a publica dois títulos dedicados a Domingos Olímpio (e confesso que poderá sair um terceiro, se o tempo me permitir). Quando me decidi a pesquisar a obra-prima do ilustre sobralense, também ouvi uma opinião desfavorável de um colega, que se admirou pelo meu interesse em pesquisar “um autor tão ruim”, mas felizmente encontrei o apoio, a confiança e a impagável generosidade do Prof. Luiz Tavares Jr. para me dedicar a um estudo semiótico sobre Luzia-Homem, lembrando que ele é o autor de O mito na literatura de cordel, uma das obras pioneiras da Semiótica Literária no Brasil. Não fiquei aborrecido com o colega que me aconselhou buscar um autor mais relevante no panorama literário nacional. Muito pelo contrário, penso que ele funcionaou como advogado do diabo e acabou me ajudando a rebater o negativismo crítico construído sobre o autor.

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  8. Mas voltemos ao seu texto. Nele vi que você se mostra preocupado com a presença de professores vindos de fora do Ceará no Departamento de Literatura. Segundo entendi, meu amigo, isso poderia até ser causa de desinteresse pela literatura aqui produzida. Para tranquilizá-lo, lembro que o colega que vem dando continuidade à disciplina que com tanto orgulho herdamos do Prof. Sânzio de Azevedo não é cearense, mas um carioca que ama tanto o Ceará, que a ele recorro quando o tema é Literatura Cearense, disciplina que estou longe de dominar. Nos últimos dois anos, a direção do mais cearense de nossos eventos, que são os Encontros Literários Moreira Campos, tem ficado sob a coordenação de um bravo caiçara paulista, que poderia voltar-se somente para a Literatura Portuguesa, pois para isso prestou concurso. (Afinal, o espelho da escritura de Moreira Campos está em grande parte refletido na Literatura Portuguesa.) Hoje sabemos mais sobre Alencar graças a outro carioca, jovem pesquisador que nos revelou originais até então inéditos, graças ao prestígio por ele desfrutado nacionalmente como pesquisador da obra desse fundador de nossa nacionalidade literária. Temos também até cearenses nisso,a exemplo do poeta que não cansa de nos surpreender com a assinatura de verdadeiras joias da literatura popular em verso, professor que mantém um dos mais entusiasmados grupos de pesquisa sobre o cordel. Haveria muitos outros exemplos a citar, mas apenas reiterariam a ilustração de que não parece preocupante a que raiz o sufixo -ense se encaixe.

    Sendo marxista (permita-me, ninguém é perfeito), entendo que não há contradição numa estrutura que exceda as possibilidades de superação, nos limites materiais dessa mesma estrutura. É como dizer: se um problema não tem solução, então não se trata de um problema. Nesse sentido, sua crítica é bem-vinda, até porque é uma declaração de amor ao Departamento de Literatura, que, se não estivesse no seu coração, você não perderia tempo em querer aprimorá-lo. Seu belo texto nos serve de alerta para um tema sem o qual o próprio sentido de nosso trabalho cairia no vazio, já que é nosso dever interagir criticamente com a produção literária da região na qual nos instalamos como comunidade universitária.

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  9. Sou testemunha de que o Departamento de Literatura tem uma honrosa história, felizmente rica em problemas e contradições – sem os quais obviamente não poderíamos evoluir. A pesquisa (sempre há artigos e teses sobre a Literatura Cearense), o ensino (a exemplo da disciplina e dos grupos de estudo sobre a Literatura Cearense) e as atividades de extensão relativas à Literatura Cearense (com o exemplo maior dos Encontros Literários Moreira Campos) nunca deixaram de existir no Departamento de Literatura, afinal estamos numa universidade cujo mote instaurador professa a dialética do universal pelo regional. A cada período letivo e a cada reformulação de nosso projeto político-pedagógico, a Literatura Cearense vem recebendo reedições, mas sempre renovadas e de acordo com as possibilidades concretas de sua efetivação.

    Felizmente, e isso certamente o tranquilizará, a Literatura Cearense não desapareceu e, a julgar pelas condições objetivas e subjetivas de sua efetivação, jamais deixará de inspirar nosso trabalho no Departamento de Literatura.

    Forte abraço do
    Leite

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