sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

FlashBack-Block: "Comendo Lagartas e Defecando Borboletas", por Raymundo Netto, para os 5 anos de AlmanaCULTURA


Publicado, originalmente em O POVO, em maio de 2009.

Tumulto na rua. O camburão da polícia chegava em frente ao Palacete Ceará à praça do Ferreira. Assalto? sequestro? Não, prenderam “O” poeta. Quem? Ora, quem... o Mário Gomes, sabe, não?
Era isso mesmo. Mário Gomes, aquele que conseguiu se estabelecer como poeta, mesmo por quem não conhece ou lembra um único verso seu — ao contrário de outros que lançam livros e livros, recebem títulos e medalhas, cobertura da alta imprensa e ninguém admite a honraria —, o tipo popular-mor da nossa blond cidade, estava sendo preso. Motivo? Baixara as calças para alguém que caçoara de seus trejeitos, de suas vestes, de sua existência. Ele reagiu, a polícia chegou para pôr ordem e recolheu o “poeta das sarjetas” no para-choque do camburão. Uma multidão de populares o acompanhou. Alguém se dirigiu ao oficial e, como se existisse tal licença (imunidade?) poética, perguntou: “Ele é o Mário Gomes, o poeta, o senhor não o conhece?” Uma senhora chora, outra resmunga: “Deviam prender é bandido!” O povo se revolta, discute, os policiais pareciam nervosos. O Mário, coitado, vestido como um Judas em Sábado de Aleluia, bodejava alguma coisa incompreensível, sei lá o quê, balançava as mãos e fazia caretas, tal qual um menino malino, “um enigma das letras, um amante das estrelas”. A barba malfeita perseguia os cabelos ralos, o nariz torto separava indiferentes olhos verdes a balançar os inchados tornozelos.
Aproximei-me e perguntei o que acontecera. “Eu só queria lançar o meu livro (refere-se à biografia) de novo”, retirou do bolso Mário Gomes: poeta, santo e bandido, do Márcio Catunda, abriu e leu:
— O meu legado, deixo ao querido povo cearense! — daí, treme, lacrimejam os olhos, não gosta que o vejam assim, dá-me as costas, passa um lenço na vista, volta-se quase que esfregando o livro nas minhas ventas e repete: — O meu legado deixo à porra do povo cearense! — assisto à indignação, melancólico. Compreendo perfeitamente.
— Pagamento de poeta, Raymundo, é tapa e pontapés! Só isso, fazer poesia aqui é isso...
Um rapaz ao lado me disse que ele comprara quase todos os exemplares de Sábado: estação de viver do Juarez Leitão apenas para mostrar a sua foto aos passantes da praça e provar a todos que ele não era qualquer um, não.
Tupy, um cachorro velho, chegou apreensivo. Mário sorriu:
— Dentre amigos encontrei cachorros; dentre cachorros encontrei amigos. Desculpe, amiguinho, aderi à Fome Zero, tenho nada. — lamentou, retirando dos bolsos do paletó pedaços de guardanapos, retalhos de versos.
Recordei que há poucas semanas havia encontrado o poeta na praça. Estava mais mungangoso que o normal. Paguei-lhe um pacote de biscoitos. Perguntou-me se eu tinha mesmo quarenta anos, pois lera o meu livro — em certa ocasião o presenteei com um exemplar — e estava certo de que, apesar da aparência, eu tinha pelo menos uns oitenta.
— Raymundo, você escreveu um livro muito bom... é um grande literato que fala das calçadas velhas... das calças das velhas... Ah, as calças das velhas estão cheias de moscas! — riu.
— “Cadeiras na calçada”, Mário. Deixe de invenção!
— Já tem uns quinze anos que a gente não se vê, não é?
— Que é isso, Mário, a gente se viu no ano passado, aniversário da Padaria Espiritual, aqui mesmo na praça, lembra?
— Padaria Espiritual? Padaria Espiritual? Não, acho que não... Eu nunca fiz parte da Padaria, eu sou do Clube dos Poetas Cearenses.
Perguntei pela “Turma do Escritório” e ele lamentou o abandono de alguns:
— Tem um poetinha de araque, um retardado, que vez ou outra vem falar comigo. Diz que é meu discípulo. O carinha quer ser eu, sem ter a coragem de ser eu. Queria ver se ele aguentava viver na minha pele um dia. Aguenta não, é frouxo! Aguentar as pauladas que eu aguento, só sendo Mário Gomes. “Subi num pé de cana pra colher uvas. Chegou o homem das laranjas e disse, solta as goiabas, rapaz!”
Súbito, sua face se transformou, correu e jogou o pacote de biscoitos num moleque que lascara uma salva de palavrórios inapropriados:
— Se manque, eu sou Mário Gomes, você é um otário! — voltando, anunciou:
— Depois eu morro, viro nome de praça ou de rua e o povo vai falar de mim, sem lembrar que eu vivia assim, que nem as calçadas velhas do seu livro...
Despertei da lembrança quando o policial disse para não se preocupar. Iriam soltá-lo na esquina do próximo quarteirão.
Olhei para ele. Apesar do estado debilitado, ainda discursa com o vigor de um anarquista. O povo cearense, naquele momento, o reconhecia e sabia que muitos de nós passaremos, mas ele deverá ser lembrado por mais cinquenta ou cem anos. Mesmo ali, com toda desenvoltura, gritava em seu “trono” improvisado: "A maioria esmagadora da cidade me conhece... sabe quem é Mario Gomes! (...) muitos dos que se dizem artistas, antes me procuravam e hoje fingem que não me vêem... A verdade da vida é compreender a loucura do outro!"
Olhei mais de perto e percebi que havia outros presos no camburão: Tostão, Chagas dos Carneiros, Casaca de Urubu, José Levi, Tertuliano, Canoa Doida, Pilombeta, De Rancho, Manezinho do Bispo, Burra Preta e tantos outros. Então, tive a certeza de que o Mário não tinha sido preso, e sim, escolhido para viver a imortalidade que só os doidos alcançam.
O relógio da Coluna da Hora gemeu a breve passagem de seu tempo. 283 anos de Fortaleza e eles ainda estão no meio de nós...

Mário Ferreira Gomes nasceu em Fortaleza em julho de 1947. Antes de assumir-se poeta e boêmio convicto, foi professor do antigo curso de Admissão ao Ginásio, na escola Albaniza Sarazate. Iniciou, sem concluir, o curso de Arte Dramática na Universidade Federal do Ceará. No final da década de 1960 fez parte do Clube dos Poetas Cearenses, agremiação dirigida pelo Carneiro Portela que se reunia na Casa de Juvenal Galeno.

Foi internado diversas vezes e conta suas mirabolantes fugas dos tratamentos com choque elétrico. Tem diversos livros publicados, dentre eles: Lamentos do Ego, Emoção Poética, Terno de Poesia (com Alcides Pinto e Márcio Catunda) e Uma Violenta Orgia Universal (antologia).

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Rádio AlmanaCULTURA: "As Curvas da Estrada de Santos", com Kid Abelha


Quem quiser assistir ao vídeo, acesse:
http://www.youtube.com/watch?v=OmcvXdW3r3c

Se você pretende saber quem eu sou
Eu posso lhe dizer.
Entre no meu carro, na estrada de Santos,
E você vai me conhecer.

Você vai pensar que eu
Não gosto nem mesmo de mim,
E que na minha idade
Só a velocidade anda junto a mim.

Só ando sozinho e no meu caminho
O tempo é cada vez menor.
Preciso de ajuda, por favor, me acuda,
Eu vivo muito só.

Se acaso numa curva
Eu me lembro do meu mundo,
Eu piso mais fundo, corrijo num segundo,
Não posso parar.

Eu prefiro as curvas da estrada de Santos,
Onde eu tento esquecer
Um amor que eu tive e vi pelo espelho
Na distância se perder.

Mas se o amor que eu perdi
Eu novamente encontrar,
As curvas se acabam
E na estrada de Santos não vou mais passar.



quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

AlmanaCULTURA IN Dica: "Alabama Monroe", de Felix van Groeningen



Se quiser ouvir um pouco da trilha do filme, acesse (não se arrependerá):
http://www.youtube.com/watch?v=xn2fGbA_NFE


Sempre trouxe comigo nas minhas doses de respiração mecânica: para que alguém consiga chegar ao inferno é preciso antes tentar ganhar o céu. Pois não seria a busca da arrogante e pretensiosa salvação um dos maiores pecados humanos? Isto, obviamente, se existir essa coisa de pecado; se nós formos (todos) mesmo humanos, e não macacos, como diz o personagem Didier (Johan Heldenbergh), um caubói belga, fã do músico Bill Munroe, autor do clássico "Blue Moon of Kentucky" e criador do "bluegrass", uma espécie de country acústico.
Didier mora num trailer em sua fazenda de caipira descuidado e toca banjo juntamente com seus amigos numa banda (violão, contrabaixo, violino, bandolim).
Um dia conhece e se apaixona de primeira, primeiríssima, por Elise (Veerle Baetens), uma tatuadora linda que decidiu não ser papel em branco (e que conseguiu me sensibilizar com o uso que faz das cores da bandeira norte-americana), e a convida para ver o seu show. Ela se impressiona e toma na veia a relação, que passa a desfilar na narrativa em forma de músicas muito bonitas, bem executadas e na voz, às vezes à capela, do novo casal. Além, claro, de trazer todas das mais saborosas mentiras que só o verdadeiro amor pode oferecer.
É possível sentir a respiração e os sorrisos prazerosos da plateia, das mulheres principalmente, mais sensíveis ao singelo discurso amoroso.
Mas há uma tristeza implícita no filme, mesmo nas alegrias eufóricas do descobrimento da possibilidade de se amar. O olhar de Elise, a forma como ele apreende em seus olhos o ente de seu desejo, é de uma paixão e sedução profunda, de causar inveja a qualquer marmanjo. Mas é triste, carregado de uma melancolia que nem sei se a Veerle Baetens sabe exatamente o que criou, o que representava, enfim. Estava lá no olhar de Elise o que eu conheço bem...
A narrativa é confusa, mesmo quando centrada quase que exclusivamente nos dois personagens. Linearidade o escambau... Cheio de saltos temporais que, às vezes, incômodos, nos forçam a nos deslocar da delícia de trama para pensar que momento era aquele: passado, presente, futuro? Ora, mas entender o tempo não é possível, e ele, o tempo, tem a cínica mania de errar.
Pois sim, o primeiro grande conflito do casal acontece quando Elise descobre que está grávida. Um pequeno choque que inicia um questionamento, que no todo seria ainda superficial, sobre a vida após a morte e o ateísmo, uma teimosa obsessão de Didier, que em outro momento do filme, transborda sanguíneo num discurso que chama o papa de cretino, por recomendar que os católicos usem preservativos, e acusa Jeová de ser o mais cruel personagem de nossa literatura, além de "assassino, misógino, homofóbico, etc. etc." e de pregar a humilhação de todo um povo ajoelhado diante da sua criação sobre a Terra. Bem, confesso que esse discurso ainda é bem melhor do que os seus elogios à terra das oportunidades e dos sonhos do mundo: EUA! Ah, e ter que ver a cara patética do Bush na TV também não foi legal. Poderíamos ficar sem essa..
Voltando ao filme... a questão da gravidez é superada e o casal passa a viver o amor de uma garotinha, linda demais, apaixonante, doce e doente de leucemia.
O acompanhamento da tragédia familiar é comovente e vai se desenrolando suave entre os dois, cantada em prosa, verso e lágrimas nas baladas da banda (trilha sonora vibrante) até o desfecho do primeiro ato, que muda o quadro radicalmente.
Então, sobre o erotismo, o desejo e o amor de toda uma vida pesam a culpa, a dor e a angústia da perda. E a perda traz outra e outra e outra, e esta outra fantasia-se de ressentimento, dúvidas, insegurança e mais uma série de inquietações que fazem as pessoas dizer aquilo que vem à cabeça, numa crueldade tão apurada que só quem ama teria coragem de proporcionar.
Superar as crises não é fácil, por vezes nos enfeitamos de máscaras, ou tatuagens, mudamos de nome, mas seremos sempre o que trazemos no nosso interior, independentemente de nos reconhecerem ou não como tal.
A proximidade voluntária da morte pode até parecer ser vergonhosa, mas penso que a sua certeza também o é. A morte é um detalhe, entretanto, é a vida que conta.
Cabe-nos pensar na noite pré-chuvosa sob as pedras portuguesas de um Dragão do Mar: se o amor, na sua sublime abnegação e capacidade de renúncia, pode causar uma dor tão desmedida e inconsequente, valeria a pena se viver esse amor?
Talvez eu tenha visto mais do que era para se ver. Há esse risco...



Rádio AlmanaCULTURA: "Sangue Latino", com Ney Matogrosso


Para assistir ao vídeo, acesse:
http://www.youtube.com/watch?v=ENJh1_xzx6c

Jurei mentiras e sigo sozinho.
Assumo os pecados.
Os ventos do norte não movem moinhos.
E o que me resta é só um gemido.
Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,
Meu sangue latino, minha alma cativa.

Rompi tratados, traí os ritos.
Quebrei a lança, lancei no espaço
Um grito, um desabafo.
E o que me importa é não estar vencido.

Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,
Meu sangue latino, minha alma cativa.



"O Duplo", de Fiódor Dostoiésvski, na "Psicanálise & Arte em Sessão", na Livraria Cultura (31.1)

Clique na imagem para ampliar!

O Grupo de Estudos Psicanalíticos  de Fortaleza (GEPFOR)
apresenta:
Psicanálise & Arte em Sessão
com
"O Duplo", de Fiódor Dostoiésvski
Convidados:
Carlos Augusto Lima, escritor e professor de Literatura
Valton de Miranda Leitão, psicanalista, membro do GEPFOR
Data: 31 de janeiro (sexta-feira), às 19h
Local: auditório da Livraria Cultura

Entrada Franca

Aula-Espetáculo com Oswald Barroso, no Espaço O POVO de Cultura & Arte (30.1)


Clique na imagem para ampliar!
"O Riso Brincante dos Reisados (fragmento)", no Espaço O POVO de Cultura & Arte: 
30 de janeiro (quinta), às 19h. 
GRATUITO.
Aula-espetáculo sobre as máscaras brincantes do Nordeste com Oswald Barroso, poeta e teatrólogo, pesquisador, jornalista, mestre e doutor em Sociologia pela UFC, com pós-graduação em Gestão Cultural pela ANFIAC/Paris. Atualmente, pós-doutorando no curso de Teatro da UniRio.

Ao final, sessão de autógrafos de seu livro "teatro como Encantamento: bois e reisados de caretas" (Armazém da Cultura)

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

AlmanaCULTURA IN Dica: "A Grande Beleza", de Paolo Sorrentino


A Grande Beleza, título provocante da película franco-italiana de Paolo Sorrentino, traz a história (num cenário fabuloso de sete colinas Romanas, a "cidade eterna")  de Jap Gambardella, intrepretado por um ótimo Toni Servillo, um escritor boêmio que, aos 65 anos, ainda usufrui do sucesso e da popularidade de seu único livro: O Aparato Humano.
Vivendo uma vida regalada por bebedeiras, drogas, músicas eletrônicas e passinhos ensaiados e patéticos de festas sociais cheias de nadas e hipocrisias vestidas elegantemente decadentes, Jap descobre que, na sua idade, não se vê mais obrigado a fazer o que não quer.
Incomoda-se com o pensamento de escrever outra vez e cita Flaubert diversas vezes, na sua tentativa de escrever sobre o nada. É isso, sua vida é nada! O livro já está escrito.
Com um ar indiferente e, por vezes patético, e vestido meio que à malandro carioca, porém sem ginga, reside numa mansão com vista para o Coliseu (outro local de conflitos). Numa perspectiva raulseixiana, pergunta-se:
"Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida, mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto perigosa. Eu devia estar contente por ter conseguido tudo o que eu quis, mas confesso abestalhado que eu estou decepcionado. Porque foi tão fácil conseguir e agora eu me pergunto 'e daí?', eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar e eu não posso ficar aí parado..."
Como todo bom escritor, é cheio de manias, neuras, paranoias e tem um grande amor na juventude... cuja reaproximação se dá quando da (incômoda) morte dela, pela revelação do viúvo: "Para ela eu sempre fui um bom companheiro, mas você, Jap, foi o grande amor de sua vida!"
Isso acende em Jap uma série de dúvidas espiraladas do tempo do sem jeito e ele se pergunta, então, "Por que ela então me deixou? Foi ela que me deixou... por quê?"
Encontrando o sentido para vida na questão existencial e amorosa, perpassa pelos truques que não percebera, em lacunas do não-dito e não-sabido durante todo o longo filme que também ironiza a arte, os artistas e o efêmero, de forma impiedosa, colocando no chão as mentiras engolidas e consumidas no dia a dia de nosso nada coletivo, essa coisa mais parecida com vida que conhecemos.
Afinal, qual é a grande beleza do filme? A metáfora, certamente, é uma delas.
Filme para assistir numa piazza ou cruzando o rio Aniene: 
"Ci ho messo un ora di conoscervi e di un solo giorno mi ami. Ma mi ci vorrà una vita si può dimenticari."

AlmanaCULTURA IN Dica: "O Lobo de Wall Street", de Martin Scorsese


Não vou mentir... adorei essa cena!
O Lobo de Wall Street é mais um filme do veterano Martin Marcantonio Luciano Scorsese, cuja filmografia já fala muito de si.
Assisti sem muita vontade, nem disposição, mas me surpreendi com o resultado.
Sinceramente, não é um filme que agrada facilmente, e por isso mesmo creio que essa ousadia faça boa diferença.
O personagem Jordan Belfort, muito bem interpretado por Leonardo Di Caprio (acho, sempre achei, que o Di Caprio é bem aquilo ali mesmo) é, no início, um jovem ambicioso que deseja chegar ao topo, ser rico, que acredita (e comprova) que dinheiro é a porta para (quase) tudo.
Torna-se um corretor de valores. É quando pensa que finalmente teria início sua subida a tal topo, mas é quando acontece o "Black Monday", o pior dia de quedas da bolsa após o famoso "crack" de 1929, e ele fica sem chão, descobrindo uma oportunidade de ação por meio de investimentos em ações-tostões, uma espécie de "bolsa de valores genérica", de negócios perdidos, que dá muito certo... para ele. Decide então juntar amigos e montar uma nova empresa. Treina a turma e se dão super bem, ganhando muito, muito dinheiro, e vivendo com os companheiros uma vida hedonista, completa de prazeres fugazes, até começarem a ser investigados pelo duríssimo e incorruptível F.B.I. Só vendo.
 O filme é tomado por cenas com strippers, de sexos grupais, muuuuita chupeta e cheiração, drogas para todos os gostos, viagens, sadomasoquismo (inclusive o próprio Di Caprio guardando uma vela em sua arandela de fundo), dentre outras obscenidades politicamente depravadas que subvertem a ilusão hollywoodiana de um paraíso moralista norte-americano. Aliás, os Estados Unidos bem que merecem sua Wall Street, desse jeitinho assim, consumista, capitalista e debochada.


P.S.: Mas, Scorsese, você bem que poderia ter feito alguns cortes... Looongo... 

Rádio AlmanaCULTURA Especial: "Hey Jude", com os Beatles, versão original em clip remasterizado


Cruzar a cidade de Fortaleza, ao som de uma "Hey Jude" de saudades,
numa segunda sem estrelas, nas ruas sem pessoas ou carros, ao carinho frio dos ventos de uma cidade adormecida, tendo à frente apenas as lanternas vermelhas de poucos ônibus e as placas fosforescentes a me gritar: "Pare", "Pare", "Pare", me faz lembrar que deveria ter ouvido mais os Beatles, mais do que ao meus pensamentos tortos.
Que Deus proporcione um dia iluminado a todos!

Para ver o vídeo, acesse:
http://www.youtube.com/watch?v=UvHsTQUA2SE

Hey, Jude, don't make it bad
Take a sad song and make it better
Remember to let her into your heart
Then you can start to make it better

Hey, Jude, don't be afraid
You were made to go out and get her
The minute you let her under your skin
Then you begin to make it better

And anytime you feel the pain
Hey, Jude, refrain
Don't carry the world upon your shoulders

For well you know that it's a fool
Who plays it cool
By making his world a little colder
Na na na na na na na na

Hey, Jude, don't let me down
You have found her now go and get her
Remember (Hey Jude) to let her into your heart
Then you can start to make it better

So let it out and let it in
Hey, Jude, begin
You're waiting for someone to perform with
And don't you know that is just you?
Hey, Jude, you'll do
The movement you need is on your shoulder
Na na na na na na na na

Hey, Jude, don't make it bad
Take a sad song and make it better
Remember to let her under your skin
Then you'll begin to make it better (better, better, better,better, better, oh!)
Na, na na na na na, na na na, Hey Jude
Na, na na na na na, na na na, Hey Jude



segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

"Adélia Prado dá força inesperada ao antiquado em seu novo livro", por Alcir Pécora


Miserere, novo livro de Adélia Prado, 78, é ótimo exemplo de como simbologias tradicionais, carregadas de mitos e de interditos supostamente ultrapassados, podem ganhar uma inesperada força como repertório poético.
A primeira explicação, em negativo, não é difícil de encontrar: aceito o pressuposto desse mundo vetusto, perde-se o medo de confessar idade, exaustão, pobreza e sujeira, pois a carência se reinterpreta como promessa de eternidade.
Abre-se uma fresta no paradigma existencial contemporâneo, restrito à banalidade laica, presentista, pragmática.
O que poderia ser visto como dogmático e conservador acaba funcionando como alívio para o efeito rebote da obrigatoriedade de se manter jovem, saudável, feliz, “up to date”.
O que haja de antiquado nas figurações da crença, de repente, anima vasta ressignificação sensória da vida diante dos programas profiláticos e assépticos da cosmética e da medicina, muito mais próximas agora do que admitiria Platão.
Em versos brancos livres, de léxico corrente e cortes gramaticais, Adélia pode falar, por exemplo, “num mundo bom onde se come errado,/ delícia de marmitas de carboidrato e torresmos” (em “Qualquer Coisa que Brilhe”); ou: “Minha mão tem manchas,/ pintas marrons como ovinhos de codorna” (em “Avós”); “Deus, tem piedade de mim./ Peço porque estou viva/ e sou louca por açúcar” (“Distrações no Velório”). 

Não temer a morte
O tom sentencioso e edificante é geralmente temperado por uma atitude bem-humorada e vigorosa diante do pânico da doença e da morte, esta que foi higienicamente desaparecida da vista dos amigos e parentes para se tornar um caso técnico hospitalar, como evidenciou o historiador francês Philippe Ariès.  
Adélia, ao contrário, pode dizer: “Tem braços acolhedores/ e vem cheia de vida./ É Deus a poderosa morte” (“O Hospedeiro”). 
E quando propõe “dormir na própria cruz sem sobressaltos, como um bebê brincando com suas fezes” (“A Criatura”) canta um mundo às avessas daquele do “grande Bazar” surdo, no qual todos “falam a mesma língua e têm o mesmo preço/ do ‘Concurso de miss para criancinhas” (“Sacramental”).
Há uma segunda explicação, desta vez imanente, para as qualidades de “Miserere”. Nalguns pontos altos do livro, o erotismo, o amor do corpo, se dá em associação direta com a evocação da vigilância repressora do pai e da unidade uterina com a mãe.
Assim: “o Senhor da vida olhava-me/ como olham os reis/ as servas com quem se deitam” (“Pomar”); “vi o dedo,/ o meu, este que, dentro de minha mãe,/ a expensas dela formou-se” (“Contramor”). 

O belo e o sujo
Resulta daí uma geração e parturição no que repugna, não no que é belo: “O verdadeiro é sujo, destinadamente sujo” (“Branca de Neve”); “Pois o encontro agora escuro e fosco/ no dia radioso é único e não cintila(...) Abba! Abba! Aceita o que me enoja,/ gosma que me ocultou o Teu rosto” (“Qualquer Coisa que Brilhe”). 
Em termos católicos, que são os pertinentes aqui, apenas neste ponto opaco e cego do abandono se aceita Deus, sendo aceito por ele.
Entretanto, como reconhece Adélia, falta-lhe coragem para dizer tudo o que, segundo ela mesma, se dito, “em mim mesma produziria vergonha, vários me odiariam” (“Branca de Neve”).
Uma língua menos gentil talvez fizesse mal a Adélia, mas faria muito bem a sua poesia. 

Alcir Pécora, da Folhapress

SERVIÇO

Miserere
Autora: Adélia Prado 
Editora: Record
Quanto: R$ 25 (96 págs.)



Rádio AlmanaCULTURA: "Mal Necessário", com Ney Matogrosso.

"O Beijo", de Rodin

Para ouvir a música e ver o vídeo, acesse:
http://www.youtube.com/watch?v=Hpvna0MdVac
e que Deus o perdoe...

Sou um homem, sou um bicho, sou uma mulher.
Sou a mesa e as cadeiras deste cabaré.
Sou o seu amor profundo, sou o seu lugar no mundo.
Sou a febre que lhe queima mas você não deixa.
Sou a sua voz que grita, mas você não aceita.
O ouvido que lhe escuta quando as vozes se ocultam
Nos bares, nas camas, nos lares, na lama.

Sou o novo, sou o antigo, sou o que não tem tempo.
O que sempre esteve vivo, mas nem sempre atento.
O que nunca lhe fez falta, o que lhe atormenta e mata.
Sou o certo, sou o errado, sou o que divide.
O que não tem duas partes, na verdade existe.
Oferece a outra face, mas não esquece o que lhe fazem
Nos bares, na lama, nos lares, na cama.

Sou o novo, sou o antigo, sou o que não tem tempo.
O que sempre esteve vivo...
Sou o certo, sou o errado, sou o que divide
O que não tem duas partes, na verdade existe.
Mas não esquece o que lhe fazem
Nos bares, na lama, nos lares, na lama
Na lama, na cama, na cama.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Rádio AlmanaCULTURA: "Teatro dos Vampiros", versão acústica


Quem quiser assistir ao vídeo da versão que mais gosto:
http://www.youtube.com/watch?v=B6iuIssVqRA

Sempre precisei de um pouco de atenção.
Acho que não sei quem sou
Só sei do que não gosto.
E nestes dias tão estranhos,
Fica a poeira se escondendo pelos cantos...

Esse é o nosso mundo:
O que é demais nunca é o bastante
E a primeira vez é sempre a última chance.
Ninguém vê onde chegamos:
Os assassinos estão livres, nós não estamos!

Vamos sair, mas não temos mais dinheiro.
Os meus amigos todos estão procurando emprego.
Voltamos a viver como há dez anos atrás
E a cada hora que passa
Envelhecemos dez semanas.
Vamos lá, tudo bem, eu só quero me divertir,
Esquecer dessa noite, ter um lugar legal pra ir.
Já entregamos o alvo e a artilharia,
Comparamos nossas vidas
E esperamos que um dia
Nossas vidas possam se encontrar.

Quando me vi tendo de viver
Comigo apenas e com o mundo
Você me veio como um sonho bom...
Eu me assustei
Não sou perfeito
Eu não esqueço...
A riqueza que nós temos
Ninguém consegue perceber
E de pensar nisso tudo, eu, homem feito,
Tive medo e não consegui dormir.

Vamos sair, mas não temos mais dinheiro.
Os meus amigos todos estão procurando emprego.
Voltamos a viver como há dez anos atrás
E a cada hora que passa
Envelhecemos dez semanas.
Vamos lá, tudo bem, eu só quero me divertir.
Esquecer dessa noite e ter um lugar legal pra ir.
Já entregamos o alvo e a artilharia
Comparamos nossas vidas
E mesmo assim não tenho pena de ninguém


sábado, 25 de janeiro de 2014

AlmanaCULTURA IN Dica: "Álbum de Família"... para os fortes!


Numa sexta, após discutir por horas no Café-Clube de Leitura do Espaço O POVO de Cultura & Arte, alguns contos de autoras sobre relações afetivas (namoros, casamentos, relação de mães e filhos, rejeição, separação, amor, esquecimento, morte, ódio, neuroses e desejos insatisfeitos, compensações e outras coisas mais), quem diria que acabaria no cinema para assistir justamente o filme "Álbum de Família".
O momento mais suave foi encontrar à porta do cinema o poeta e professor Adriano Espínola, em breve passagem em Fortaleza, já me prevenindo que o filme era pesado (curiosamente, na saída, no shopping ao lado, encontrei a escritora e também professora Lourdinha Leite Barbosa... que bom que nós "fantasmas andantes" temos oportunidade de encontrarmos com essas pessoas no meio de nosso caminho vagante.)
Enfim, no filme, dirigido por John Wells e originalmente escrito por Tracy Letts, o velho poeta Beverly (Sam Shepard), não aguentando mais a vida ao lado da esposa Violet (Meryl Steep), doente de câncer na boca e viciada em medicamentos, contrata uma empregada, uma índia, desaparece de casa e se mata. As filhas Bárbara (Júlia Roberts) e Karen (Juliette Lewis) que não moram na cidade, e Ivy (Julianne Nicholson), a única que ficou com os pais, se reúnem para as cerimônias fúnebres e são envolvidas numa tremenda lavagem de roupa (íntima) suja de uma vida inteira. Irmãos, pais, tios, cunhados, neta e primo.
Bárbara chega com o marido (Ewan McGregor) e a filha (Abigail Breslin). Não diz nada, mas a mãe já sabe que ela está separada (por conta de uma garota que apareceu na vida dele). A relação dela com a filha também não é das melhores. Assim, como a vida da fragilizada irmã Karen, noiva de Steve (Dermot Mulroney), com três casamentos no passado e que, durante a narrativa tenta seduzir a adolescente filha de Bárbara, e a história misteriosa de Little Charles, sobrinho de Violet, filho desprezado pela irmã (Margo Martindale), para o desespero do paciente cunhado, Charles (Chris Cooper), e da instável e insegura Ivy.

Embora consiga extrair algumas risadas, o filme é drama pesado, pesadíssimo, sem exagero, ou melhor, com muito, movido por  humilhações, xingamentos, exposições de fragilidades. O elenco, por ser de altíssima qualidade, garante a verdade em tudo, seja na questão da dependência química, da maldade materna (que parece ser genético e hereditário), no suicídio, alcoolismo, muita maconha no ar, divórcio e pedofilia. Um álbum, digo, um prato cheio para qualquer cinéfilo que gosta de algo mais além de comer pipoca.