sábado, 15 de fevereiro de 2014

AlmanaCULTURA IN DICA: "Ela", de Spike Jonze


Caso queira assistir ao trailer, acesse:
http://www.youtube.com/watch?v=gSxW32C7mjo

Ela é impressionante. O filme, dirigido e roteirizado por Spike Jonze, é uma dramocomédia. "Drama", porque expressa a parca existência humana; "comédia", porque, vaidade às favas, nós somos todos muito ridículos e risíveis.
Ela se passa no futuro, numa espécie de ficção científica barata, no sentido de realista e sem aberrações megahard, onde o mundo virtual cada vez é mais presente, ou seja, as pessoas perdem a capacidade de discernir o real, o verdadeiro, do que é produto wireless, artificial, meio que uma verdade facebook, onde todos são maravilhosos, se curtem, viajam muito, são repletos de amigos que, também felizes, não esquecem do aniversário de ninguém. Assim, como no nosso mundinho egotrip as pessoas nem se percebem e estão cada vez mais solitárias.
O cenário futurista mostra, num figurino meio retrôtech e num andamento melancólico que nos remete a O Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, Theodore (Joaquin Phoenix), um funcionário em uma empresa que vende cartas. Pois é, Theodore, assim como outros colegas, escreve cartas virtuais, com fontes manuscritas, simuladas em papéis ilustrados como antigamente, encomendadas por namorados, pais e filhos, amigos que não se veem há tempos, etc. Ele é triste e solitário e, ao contrário de suas letters-fake, tem uma grande dificuldade de expressar os próprios sentimentos em sua vida marcada por uma separação doída e não resolvida. Sua ex-mulher, Catherine (Rooney Mara), também não aceita com facilidade a separação, mas é mais "cerebral", professora universitária, certa de que o ex-companheiro não consegue transitar com facilidade por um mundo real.
Certo é que o escritor, embora seja "popular", tem, de fato, apenas uma amiga, Amy (Amy Adams), e fora do serviço brinca com videogames e é usuário insatisfeito de chats de bate-papo e sexo virtual. Dizendo-se confuso, mal resolvido, inseguro, não consegue dar passo, encaminhar relacionamentos, arriscar-se, até adquirir um novo sistema operacional de inteligência artificial: "Samantha" (a voz de Scarlett Johansson). Uma novidade comercial, o software é aparentemente humano, capaz de, além de atribuições mecanicistas, interagir, de ter curiosidade, aconselhar, contar piadas, preocupar-se, e, numa perspectiva darwinista ciborgue, capaz de evoluir e apresentar uma individual visão de mundo com muito mais rapidez do que o mísero projeto Homo Sapiens. Então, nada mais natural que eles se apaixonem, levando em consideração que o amor é uma insanidade possível e aceitável, assim como acontece hoje nos logros e paixões fantasiosas das redes sociais.
O comportamento humano e o "quase-humano", os ciúmes, o amor, o desejo, o sexo, a ilusão, a posse, o divórcio, a dor e a angústia da inconfessável solidão e todas as mazelas dos que amam e são amados (ou não) são discorridos de uma forma menos corpórea, mais nua, portanto também mais crua, embora com tintas otimistas, sem ser piegas ou melodramático.
Não me prendendo à perspectiva da análise da praxis dos relacionamentos futuros (leia-se "presentes"), às perguntas óbvias de não se ter respostas ("Como é estar vivo neste quarto agora?") e o "querer", verbo dificílimo de resolver e verbalizar sem medos, é um filme sensível, um romance inteligente, que faz pensar, passando por dentro, ressoando nas paredes de lembranças e tocando de leve as cúspides de quem vive ou viveu qualquer dúvida em relação à temática afetiva.
Vale demais assisti-lo sem pressa, se estiver amando ou pensando no suicídio.

Dica: leve com você uma garrafa d'água!

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