segunda-feira, 30 de junho de 2014

JULHO inteiro de muita graça na maior comédia cearense!


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Pra você que está meio requenguelo, sem ver muita graça na vida, sem ânimo nem para levantar o pescoço o...
Seus problemas acabaram!
A CIA. CEARENSE DE MOLECAGEM em parceria com a Associação dos Produtores Teatrais do Ceará (APTECE)  realiza em JULHO a grande
Temporada Cearense de Comédias!

Divulga aí, meu irmãozinho, vá lá!

DIAS 05 E 06

TITA & NIC – 4D
A produção cinematográfica hollywoodiana ganha uma roupagem satírica quando seis atores se esmeram em interpretar os 2.500 personagens. Há 14 anos em cartaz, a sátira já teve um público somado em mais de meio milhão de pessoas em 870 apresentações. É início do século e as invenções pipocam de cabo a rabo, eis que surge a jangada "Lamparina do Mucuripe". A multidão embarca sem saber que ruma para um cômico destino em águas fétidas da leste oeste. Eis que pinta o maior clima entre Nic, o humilde da 3ª classe do "Lamparina", e Tita, a belíssima (maaaais ou menos...), melancólica, virgem (taí...) e sufocada aristocrata da 1ª classe. Por amor, só por amor, os dois só faltam se lascar. Como é que um negócio desses pode prestar, macho? Você tem que assistir!

DIAS 19 E 20

LOUCURAS DE AMOR
O território inseguro, denso e impreciso dos  apaixonados (ai, ai, ai...). A complicada engenharia da atração. As fidelidades e infidelidades, encontros e desencontros. A cômica sinfonia dos relacionamentos, sempre ao ritmo do inesperado, ou do próprio bater do coração (Vixe, que até parece novela da Janete Clair). Homens e mulheres ansiosos por encontrar a outra metade da laranja (só o bagaço, quer dizer), o sapato do seu pé (o chulé), a sua alma gema (é gêmea, né, não?), nem que para isso tenham que fazer uma LOUCURA DE AMOR...
Em nossa Comédia Romântica, a depiladora Alberlenia Tenório tenta definitivamente embarcar na rodoviária com destino à terra natal. Sua intenção: deixar o passado pra trás e com ele um grande amor de 15 anos. Mas, o que ela não esperava é que seu ex-amor ou pra sempre amor, o mototaxista Quintino Paixão iria, movimentado pelo tesão, digo, paixão, tentar convencê-la a ficar.
 Melodramas a parte, os momentos bons e ruins vividos pelo casal vem à tona e a cena. Parece a sua história, não é, cabra véi. Arrocha e vai assistir que a pessoa amada.

DIAS 26 E 27

AS VIZINHAS
Quem já não teve aquele ou aquela vizinha que Deus o livrasse? Nãaaa... De repente, o apartamento ao lado do seu passa a ser ocupado por alguém totalmente desconhecido, com costumes diferentes, gostos estranhos, comportamento incomum... eis que se cria a situação mais propícia para uma guerrinha ou...  “a batalha do século”. 
Duas mulheres, uma recém-divorciada e a outra uma funcionária pública de férias, vão fazer desse encontro um fim de mundo e se você quiser, só de mal, leva seu vizinho pra assistir. Aproveita. É fuxico, catrueragem, intriga, alcovitagem, inveja, marmotagem, distroço, tudo junto. Não fresca, não, e avia!

SERVIÇO:
TEATRO DRAGÃO DO MAR
05 - 06 - 19 - 20 - 26 - 27
às 22 horas
INTEIRA R$ 20,00 – MEIA R$ 10,00
INFORMAÇÕES: (85) 3219 9493 - (85) 8517 2301


AlmanaCULTURA dá mais vida a tudo, pode crer!


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VI Prêmio Nacional e XVII Prêmio Estadual Ideal Clube de Literatura 2014


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e

Confira o Regulamento aqui:

http://www.idealclube.org.br/wp-content/uploads/2014/05/REGULAMENTO-2014.pdf

"A Casa de Meus Avós", de Ana Miranda, para O POVO


Ah como era linda a casa de meus avós! Fica numa rua onde botavam cadeiras nas calçadas ao entardecer, rua animada, crianças correndo no intervalo de carros, festas, música, comércios de quintal, uma vizinha vendendo pastel, biscoitos... Era fácil distinguir aquela casa das outras, porque na frente dela morava um frondoso pé de jambo que floria de agosto a fevereiro, cobrindo a calçada de flores roxas, perfumadas e melíferas, parecia um tapete, dava vontade de deitar e sonhar. O jambeiro frutificava de janeiro a maio, quando meninos da rua iam catar os jambos, com varas e gritos de alegria. Talvez tenha sido plantado por meus avós, porque era frondoso como uma árvore velha. Depois havia um jardim com jasmineiros, miniflamboyants e outras plantas de adorno, uma varandinha diante de uma porta de madeira maciça, com gradeados desenhando geometrias ingênuas.
Uma casa comprida, como as velhas casas do Icó, o pé-direito muito alto, chão de belos ladrilhos hidráulicos, os quartos na lateral, e salas se seguindo, cozinha, até dar num quintal. No terreno também bastante comprido se via um majestoso sapotizeiro que ficava carregado da sua deliciosa fruta, e mais antigamente, pés de ciriguela, ata e outras frutíferas abençoadas, sempre florindo e dando frutos, e plantas ornamentais, damas-da-noite perfumadíssimas, samambaias, um tanquezinho para lavar roupas, um coqueiro, as copas das árvores das casas vizinhas conversando por cima do muro. A casa era fresca e agradável, risadas soavam, havia passarinhos, soins, uma leveza e um descompromisso graciosos.
Eu gostava dessa casa, me sentia bem, ali, ela fazia parte da minha história. Quando ainda morava em Fortaleza, menina bem pequena, sentei no colo de meu avô para uma foto de família, toda vestidinha de rendas brancas, na cena do casamento de uma tia. Mais tarde visitei a minha avó, que morava num quarto construído no quintal, minha avó cega. Ela fumava cigarros cortados com tesoura e tinha a fama de ser a pessoa mais calma do mundo. Contam uma história passada naquele quintal: vovó e alguns dos nove filhos jogavam baralho à sombra do sapotizeiro, quando entrou alguém esbaforido, avisando que um dos filhos tinha sido preso, por engano, e todos deviam ir à delegacia para soltá-lo, e minha avó teria dito, "Mas vamos primeiro terminar a partidinha!" Ali vi meu avô morto, e a alma dele em terno branco, chapéu de palha branco, sapatos brancos, cabelos alvíssimos, avô alto e bonito, digno, altivo, olhar doce mas cheio de autoridade. 
Tenho dele uma caneca de alumínio onde estão gravadas flores e o nome dele, "Doutor Nóbrega", que os trabalhadores de alguma construção lhe deram em homenagem, um troféu às amizades de antigamente, entre patrões e empregados. Meus tios e tias que morreram ainda vivem em minhas lembranças e fotos que capturei dos tempos de antanho. Tantas lembranças boas...
Porém, hoje a casa só me enche de tristeza. A rua sofre assaltos, as casas se cercaram de muros e grades, foram mil os puxados que desfiguraram a paisagem urbana, resta apenas heroicamente o costume das cadeiras nas calçadas e a criançada na rua. Na casa de meus avós, primeiro cortaram o pé de jambo-vermelho, botando um muro árido e agressivo como quase todos os muros. Trocaram depois o jardim por uma garagem cimentada, para carros quatro por quatro e nem sei o quê. Arrancaram a velha e digna porta por onde entravam as visitas tirando o chapéu, no lugar está um portal envernizado, ostentando prosperidade. Arrancaram o chão acolhedor e aplicaram um porcelanato escorregadio que mais lembra uma pista de gelo. Cortaram afinal o sapotizeiro, cimentaram o quintal, fizeram segundo andar, escadaria... quase nada restou daquela atmosfera agradável e acolhedora, perfumada e alegre. 
As almas dos meus avós devem estar também tristes, como as almas antigas, que não reconhecem mais seus lugares, Onde estou? Onde está a minha casa? A minha maior tristeza não é saber da devastação das maneiras antigas da casa, mas saber que por todo lado se faz isso. Não é só o prefeito, o secretário, o engenheiro de trânsito, são todos, ou quase todos os moradores. Me entristece é que a casa é um pequeno retrato de uma situação ampla, em que cada um de nós trai o tempo, trai os avós, trai uma honestidade e uma dignidade em nome de uma prosperidade irresponsável, trai o bom-gosto, trai as árvores, a arquitetura, a natureza, jambeiros, sapotizeiros, acácias-imperiais, flamboyants, trai o futuro, os netos, trai o próprio coração.

(Responda se puder: por que tantos ciclistas, mesmo tendo ciclovia, arriscam a vida pedalando no acostamento ou mesmo na pista?)

"Reis de Copas", de Pedro Salgueiro, para O POVO


Em copas do mundo de futebol algumas tradições vão se formando ao longo do tempo: uma “verdade” consolidada é a de que sempre vão aparecer as famosas “zebras”, a ponto de haver até apostas sobre quais serão as “surpresas”, os “azarões” da vez. Também, dentre as ditas “grandes” seleções, se aposta bastante em quais as que decepcionarão seus torcedores. Nesta primeira fase, a humilde seleção da Costa Rica, tida como quarta opção num grupo em que havia três campeões mundiais (Inglaterra, Espanha e Uruguai), foi a grande “zebra”; mas quase foi seguida pela Costa do Marfim, que perdeu sua classificação para a Grécia no último minuto do segundo tempo, num pênalti infantilmente cometido. Por sua vez, a maior decepção foi a derradeira campeã, Espanha, que chegou como favorita e saiu humilhada; iguais decepções causaram a sempre favorita Itália e a tradicional Inglaterra. Fico imaginando as tristezas e alegrias às vezes coabitando fronteiras tão próximas: os sorrisos holandeses e franceses, as tristezas espanholas e inglesas; as imprensas desses países colocando o “tempero” no caldeirão que ferve a cada quatro anos.
Os asiáticos quase sumiram neste mundial, a inconstância dos Africanos não promete muito, dos europeus apenas Alemanha e Holanda demonstram forças para “irem longe” na competição: a copa parece mesmo que ficará na América do Sul. De todos os classificados do nosso imenso continente, o Uruguai parece ser o que tem mais força “mítica” para chegar até a final (a tradição em mundiais, com dois vencidos; a façanha – e lembranças – do “maracanazo” de 1950; a famosa “raça” de Davi frente aos gigantes; some-se à “sorte”, a crença numa certa “predestinação” celeste); mas o Chile também demonstra que, desta vez, vai quebrar a barreira das oitavas-de-finais: promete surpreender o Brasil. O México e EUA ficarão satisfeitos de apenas terem ido mais longe do que se esperava de suas medianas seleções.
A grande final desejada (porém muito temida por todos) seria entre Brasil e Argentina: os dois, apesar de estarem vencendo etapas, não empolgaram seus torcedores; Messi e Neymar têm salvado os dois gigantes do futebol mundial. Perguntam-se, “hermanos e “macaquitos”, quem nos salvará de uma ausência dos dois gênios. O favoritismo de “jogar em casa” vai se transformando no enorme peso da obrigação de “ganhar em casa”. Perdeu-se a costumeira alegria, a leveza dos jogos: o medo de uma tragédia nos ronda em cada casa, nos espreita em cada esquina – as dificuldades das partidas iniciais nos deixaram ressabiados, bastante desconfiados com as recordações das muitas desclassificações anteriores. A França é um fantasma que ainda nos mete medo, a Holanda também está muito “fresca” em nossa memória, e o Uruguai, então, nem se fala, é um fantasma que eternamente nos assustará.

Estamos, pois, divididos entre o favoritismo de sermos os eternos “reis de copas” e o imenso medo de uma enorme tragédia que nos ronda – apenas nos postamos quietos, com um friozinho na barriga que se agrava em dias de jogos, e que tanto poderá explodir em monumentais gritos de alegria ou em discretos soluços e lágrimas.

domingo, 29 de junho de 2014

"Se eu Fosse Tostão", de Pedro Salgueiro, para O POVO

Nunca possuí um relógio: a passagem do tempo contada assim em tique-taques me assusta. O contínuo matraquear da ampulheta de metal me segreda: “mais um, menos um”. Racionalmente tento minimizar esse sofrimento – me convencer de que o tempo é apenas uma convenção entre tantas que o homem foi inventando para ordenar o viver.
Podemos medir nossa existência no tempo através de eventos regulares, como a Copa do Mundo de Futebol, por exemplo. Frequentemente escuto algum comentarista esportivo dizer, não sem uma pontinha de orgulho, que já “cobriu” tantos mundiais de futebol: a maioria dos outros participantes da conversa sequer era nascida.
Eu, que nasci em 1964, tinha seis anos incompletos na Copa de 70. Recordo-me de pouquíssimas passagens do famoso evento: uma paródia musical que brincantava com “se eu fosse o Tostão, tirava o calção; se eu fosse o Pelé, tomava café”, porém o que mais me marcou nessa copa vitoriosa foram as figurinhas de chicletes com fotos de jogadores – com elas brincávamos do “bate” (versão interiorana do “bafo”), onde, numa roda de amiguinhos, tentávamos virar as figurinhas usando as habilidades e os truques mais inusitados possíveis; e, entre correntes de vento cuidadosamente estudadas e melecas e cuspes na palma da mão, me restou uma saudade que ainda hoje me mareja os olhos: o cheiro delicioso do chiclete depois de muito mastigado.
Da de 74 me recordo vagamente (mas eu já sonhava em ser jogador) da decepção do jogo contra a Holanda, da grande correria da “laranja mecânica”, que atropelou impiedosamente Leão, Luiz Pereira, Rivelino, Jairzinho e seus companheiros; pouca coisa mais, como o chão frio da casa do tabelião Fernando Farias (onde assistimos aos jogos), um “foguete” de Rivelino derrubando um atleta da barreira do Zaire. Em 78 eu tinha quase certeza de que na próxima copa estaria entre os convocados: meu pai sapateiro me fizera um par de chuteiras com “biscoitos” de sola que confirmava essa hipótese.
Da Copa de 82, já em Fortaleza estudando para o vestibular, guardo as lágrimas, a perda da inocência e uma profunda revolta contra os “deuses do futebol”: nunca mais vi o esporte com olhos românticos e até hoje não consigo ver nenhum lance daquele campeonato, mesmo os gols e grande jogadas; se a TV reprisa qualquer jogada eu viro o rosto, um travo na garganta só comparável com o do término do primeiro namoro. Para “coroar” o ano terrível, logo depois da copa morre meu querido pai.
Em 86 e 90 eu era universitário e havia perdido todo o sonho de ser atleta: um universitário não deveria ser um “alienado”, rezava a cartilha marxista-leninista que me regia; no fundo sofria com cada derrota. Mas nem as vitórias de 94 e 2002 ou as derrotas de 98, 2006 e 2010 “mexeram” mais com meus sentimentos, apenas surfei na onda do “divertimento geral da nação”.
Somente dia desses fiz essa associação de cada Campeonato Mundial de Futebol com determinado período de minha vida: desde a inocência de 70 até a frieza de 2010, passando pela monumental tragédia de 82. Cada uma com seu contexto, seus problemas, suas (des)ilusões.
Hoje, às vésperas de completar 50 anos, não espero mais um Brasil campeão, nem mesmo que tudo transcorra em paz nesses bicudos tempos de protestos, apenas desejo sobreviver com saúde a pelo menos umas três Copas do Mundo.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

"Coval", de Raymundo Netto, numa noite de estrelas silenciosas


Uma estrela entra azul pela janela.
Batendo as asas, rasga o pensamento - pretenso último -
entornado em serpentinas redemunhas.
Nem certezas, nem ambições, nem saudades (ou todas),
somente a queixa turva da solidão que geme só,
aflita, cansada, muito cansada, de tanto remar sem rumar,
quando só queria abrir os braços, de barriga para o alto,
sentindo a água calar os ouvidos,
num olhar estranhamente apaixonado de um céu brilhante.

As cinzas do espírito me mostraram a tristeza por trás do nariz do palhaço.
Um sorriso abriu-se na parede,
a voz, aquela que vem de não sei onde,
a lembrar-me prestimosa:
Não queria felicidade, nem amor,
Mas apenas esperança.
A vida não é feita de desilusões,
assim é o Inferno!

Na arca de nossos dias, mancheias de sonhos esquecidos
em nome da egoística sobrevivência
- tanto sofrimento, tanta indiferença e tanta dor.
Ao redor, esculturas como gente se abraçam pesarosas.
Muito fingimento para suportar e esquecer
que todo adeus traz em si um gostinho de morte.

sábado, 21 de junho de 2014

"Vingança Pela Raiz", crônica de Raymundo Netto para O POVO nos 5 anos de AlmanaCULTURA


Em Mumbai, na Índia, em 2013, um partido  distribuiu milhares de facas a mulheres
 para que elas se defendessem de possíveis agressores, após o caso de  estupro coletivo de uma estudante.

Publicado em O POVO, pela primeira vez, em outubro de 2011.

Muito bem, estávamos em maio. Era o Dia Mundial sem Tabaco. Na televisão, no rádio, nas praças, era só no que se falava: Dia Mundial sem Tabaco!
No Brasil, as campanhas antitabagísticas rolavam soltas, adeptos à ruma, mas em Bangladesh, país conhecido pela presença de grandes acidentes naturais, como ciclones, por exemplo, creio que não, pois foi num repente rodamoinho que nos veio a notícia:
Um cidadão, Mozammel, pai de cinco filhos, certo de sua doçura, há cerca de seis meses arrastava asas a uma pós-balzaquiana mulherinha dos arredores. Gentilezas para cá, safadezas para lá, justo no alarmado Dia Mundial sem Tabaco, o desavisado decidiu empreender sua campanha a favor da criatura de seu desejo.
A bengalesa Monju, vítima do seu desajeitoso assédio, há muito desconfiada das intenções do vizinho, dormia, vejam só, não com uma bengala, mas com um facão embaixo do travesseiro. Assim, foi o esperançoso, certa fria noite, invadir-lhe a alcova a apresentar-lhe o pretensioso “buquê” e ela “Dá cá!”, o tomou de assalto, à arma branca, guardando-o, mais que depressa, num saquinho de bodega, desavisada ela também do dito: “a paz se faz pelas mãos das mulheres”.
O coitado inda gemia à falta de sua ferramenta amorosa quando a criatura soleirava à porta da delegacia, prestando queixa, prova na mão, como antes o queria o agressor, mas não exatamente dessa forma.
A polícia horrorizou-se: nada mais cabal!
O sujeito foi parar, claro, no hospital, insultando a mulherzinha de um tudo, menos de vaca, pois esta, naquelas bandas, é sagrada. Por lá, nada a fazer, a não ser a espera da providência divina ou a inscrição eterna no sindicato dos eunucos. Enquanto estivesse em recuperação, a justiça terrena — e masculina —, solidária à dor, o preservaria, mas saísse do leito, seria de prestar depoimento, responder em juízo e recluso pela abobalhada e fracassada tentativa de estupro.
Não haveria como negar, sabiam todos, a evidência maior — e não tão grande — estava ali, troféu de caça da bengalesa faladeira que já espalhara pela vizinhança toda, batendo no peito magro e caído: “Aquele ali, ó, nunca mais se dá ao enxerimento, negrada”.

Pois é, leitores tímidos, leitoras desforradas, não é que aquela mulher, supostamente tão indefesa, num ato vanguardista reinventou a pena de Talião, onde a vingança é a melhor forma de perdão, não somente matando a cobra, mas também mostrando o pau?

sábado, 7 de junho de 2014

"A Pequena Sereia", de Hans Christian Andersen, com direção de Carri Costa (8.6)





Final de semana chegou e você não sabe o que fazer com as suas crianças?
Seus problemas acabaram!

Imperdível espetáculo musical infantil A Pequena Sereia, da Companhia Cearense de Molecagem e com direção de Carri Costa. Adaptação livre do conto homônimo de Hans Christian Andersen, também adaptado ao cinema pela Disney.

Excelente oportunidade para os pais, avós e tios que se sentem sem opções de ingressar os seus filhos (netos e sobrinhos do coração) no mundo da cultura e do teatro na cidade. Belíssima história, sucesso entre a meninada, com elenco, figurino, cenografia e direção impecáveis. 

Local: Teatro Dragão do Mar.
Dia: 8 de junho (domingo).
Hora: 17h (duração de 1h).
Ingresso: Inteira R$ 40,00/ Meia R$ 20,00
Vendas on-line pelo site: www.baratomaisbarato.com.br;
Classificação: Livre.

COMPARTILHE, DIVULGUE, INVISTA EM CULTURA E PARTICIPE!



Prêmio Paraná de Literatura: para tirar a obra da gaveta e o pé da lama

Anatomia de um concurseiro
(Não é mera coincidência) - clique na imagem para ampliar!
O Governo do Estado do Paraná, por intermédio de sua Secretaria de Estado da Cultura, instituiu, por meio da Biblioteca Pública do Paraná, o Concurso Prêmio Paraná de Literatura - 2014, aberto a todos os brasileiros maiores de 18 anos.
O Edital poderá ser obtido junto à Divisão de Difusão Cultural da Biblioteca Pública do Paraná – BPP, localizada na Rua Cândido Lopes, 133, Centro, Curitiba, Paraná ou nos sites da Biblioteca Pública do Paraná (www.bpp.pr.gov.br) e da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (www.cultura.pr.gov.br). 
Esclarecimentos e informações aos interessados serão prestados pela Divisão de Difusão Cultural da BPP, no endereço citado; pelos telefones (41) 3221 4911, 3221-4917 e 3221-4994, pelo e-mail premioparana@bpp.pr.gov.br, de segunda a sexta-feira das 9h às 19h. 
Sobre o Concurso
O Concurso, com inscrições gratuitas e abertas até o dia 30 de junho de 2014 (bora correr, negrada, avia!!!), tem por objetivo a seleção de livros de ROMANCE, CONTO E POESIA (categorias distintas) escritos em língua portuguesa e inéditos, que não tenham sido objeto de qualquer tipo de apresentação, veiculação ou publicação parcial ou integral (inclusive em sites, blogs e redes sociais da internet) antes da inscrição no Concurso até a divulgação do resultado (previsto para dezembro) e entrega dos prêmios, a seguir:
a) 1º lugar – Romance R$ 40.000,00
b) 1º lugar – Conto R$ 40.000,00
c) 1º lugar – Poesia R$ 40.000,00 
IMPORTANTE: Os trabalhos premiados serão publicados pela BPP, num total de 1.000 exemplares de cada categoria, cabendo aos autores premiados 100 exemplares. 
Para ler o EDITAL COMPLETO:
http://www.bpp.pr.gov.br/arquivos/File/NOVOedital_premio_2014.pdf

Eu não vou participar, mas estou já torcendo pelos queridíssimos seguidores do AlmanaCULTURA, 5 anos, feito folha sem destino, NO AR!

Minicurso para Escritores em Curso 2: "O Conto - algumas reflexões"


Guy de Maupassant (agosto de 1850 - julho de 1893)
O conto é uma obra de ficção que cria um universo de seres e acontecimentos, de fantasia ou imaginação. Como todos os textos de ficção, o conto apresenta um narrador, personagens, ponto de vista e enredo. Em Angola e Moçambique é comum o termo "estória" para se referir a "conto".
Classicamente, diz-se que o conto se define pela sua pequena extensão. Mais curto que a novela ou o romance, o conto tem uma estrutura fechada, desenvolve uma história e tem apenas um clímax. Num romance, a trama desdobra-se em conflitos secundários, o que não acontece com o conto. O conto é conciso.

Alguns pontos a refletir, aceitar ou não, na hora de escrever um conto:

1.         Prender o interesse do leitor; evitar ser chato:
Pense em Aristóteles, para quem a catarse, enquanto experiência vivida pelo espectador ou ouvinte, é condição fundamental para definir a qualidade de uma obra.

2.         Usar, se possível, frases curtas:
A clareza vem do cuidado com a estruturação da frase: as intercalações excessivas prejudicam a compreensão da ideia. Pense em Barthes: “A narrativa é uma grande frase, como toda a frase constitutiva é, de certa forma, o esboço de uma pequena narrativa", (em Introdução à análise da narrativa).

3.         Capítulos e parágrafos curtos, para o leitor poder respirar
Evitar muitas personagens, descrições longas, rebuscamentos, adjetivações, clichês, repetição de palavras.

4.         Trama/enredo/tema ou estilo, original
Pense em Ricardo Piglia: “Pode-se programar a trama, os personagens, as situações, conhecer o desenlace e o começo, mas o tom em que se vai contar a história é obra de inspiração. Nisso consiste o talento de um narrador”, (O laboratório do escritor).

5.         Se possível usar ironia, humor, graça e ser verossímil
Ser verossímil é importante, mas não devemos confundir verossimilhança com verdade; a história não tem de ser obrigatoriamente verdadeira, mas parecer que o é. Mesmo assim sua importância é discutível. Segundo Álvaro Lins, Graciliano Ramos tem como “defeito” justamente a inverossimilhança que, de acordo com o crítico, é mais “visível” em Vidas secas e São Bernardo, dois clássicos insuspeitos. No Vidas secas esse “defeito” estaria no discurso das personagens (discurso indireto livre), pois tal recurso teria provocado um excesso de introspecção das personagens, tão rústicas e primárias (até Baleia, a cadela do romance, tem seu “monólogo interior”). No São Bernardo o “problema” estaria no fato de um homem rústico, como Paulo Honório, construir uma narrativa tão perfeita em termos literários. Conta-se que, uma vez, Matisse mostrou a uma senhora um quadro em que havia pintado uma mulher nua; sua visitante retrucou: “Mas uma mulher nua não é assim”. E Matisse: “Não é uma mulher, minha senhora, é uma pintura”. Será que na sua análise em busca do perfeito, Álvaro Lins (que tinha Graciliano em alta conta) não teria percebido que Paulo Honório não é um homem, mas uma pintura?

6.         Ler, de preferência, os clássicos
Não se é escritor sem ser leitor. Pense em Sartre: “Mas a operação de escrever implica a de ler... e esses dois atos conexos necessitam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor com o leitor que fará surgir esse objeto concreto e imaginário que é a obra do espírito”. (op. cit.) Pense também em Faulkner: ler, ler, ler, ler, ler... Em Escritores em ação, Georges de Simenon (1903-1989) dá a “fórmula” para se escrever uma boa prosa: “Corte tudo que for literário demais; adjetivos e advérbios e todas as palavras que estão lá só para causar efeito. Escrever é cortar. Escrever não é uma profissão, mas uma vocação para a infelicidade e essa professora é uma puta vadia!"

Para ler mais desse texto sobre CONTO, acesse: http://pt.wikipedia.org/wiki/Conto


"Sombras", conto de Raymundo Netto, para O POVO (7.6)


Passeava por sobre a própria sombra. Escoava os olhos como rodo pelas ruas cheias de estrelas da noite. O pálido clarão dos postes nas calçadas era o suficiente para não lhe deixar sufocar a sombra, a sua escuridão particular, companheira áspera e segura, a cravar-lhe na ponta dos pés e na alma o breu eterno de seus medos.
Quem o visse passar, ensimesmado e curvo, cabelos torcidos a dedos e tornados à chuva, lhe notava o balbucio, o grunhido de doido indiferente à plateia onomástica.
Mais perto, seria comum lhe sentir ofegante, encostado em paredes, gemendo cansaços. Sempre desesperançado e sem tempo. Sempre imerso na distração.
Era assim: durante o dia, evitava as pequenas multidões, estranhava o amor e as pessoas felizes e nunca se deixava chegar perto demais. Às noites, se escondia. Suportava o cricrilar da solidão opaca por detrás daquela sombra a libertar-se ao revés da luz, a tomar-lhe as paredes do quarto, a lhe falar mais alto pela voz rouca do rádio, por trás da persiana da janela, pelo vestíbulo do banheiro, por baixo do travesseiro, na página marcada do livro que não saía da cabeceira. Ele, nunca de dormir, nunca de escrever sonhos, nunca de respirar. Pior quando tentava pronunciar A PALAVRA... sua voz lhe embargava, como se ela, aquela sombra, o estrangulasse.
Numa úmida noite, quando a lua abriu o sorriso minguante, corajou-se: trancou porta e janela da sala, apagou as luzes, tirou o inferno do bolso e, com uma pequena luminária, ameaçou a sombra. Ela zombou e riu. Foi quando reaproximou a lanterna, mas, desta vez, a chamou pelo nome e o repetiu! A sombra, então, saltou ligeira para trás, ao teto, pondo-se a tremer bruxuleante, quando, ferida, berrou, lançando-se sobre ele com a bocarra aberta e denteaguda para a devora de seu crânio ruim de pensamentos. Foi quando, num último golpe de ar, ele enfiou o punho no profundo do peito, arrancando o seu próprio coração e o arremessando para fora, pela janela do quarto.
A sombra não acreditou no que vira. Enlouquecida, largou-o e varou veloz pelo vestíbulo violáceo. Tarde: lá embaixo, um felino de olhos alaranjados e brilhantes o jazia frio, entredentes, desaparecendo na obscura melancolia do (esque)cimento.
Cambaleante e debruçado ao parapeito da janela, ouviu distante o soluço bizarro daquela sombra, que desaparecia muda a serpentear entre os pedroiços molhados, de onde, logo, viria uma peste de minúsculos insetos verdes, centenas deles, saindo da obscuridão, preenchendo as paredes, como liquens, em sua direção. Arrogavam-se de tudo no caminho e, ao final, de seu corpo.
Libertara-se da sombra, sabia. Agora, outro silêncio queixava-lhe aos ouvidos. Deitado na cama, percebeu-se vazio, distante, completamente esquecido numa solidão então maior do que tudo no mundo, condenado, sem coração, a não morrer nunca mais!  

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Minicurso para escritores em curso 1: "Decálogo do Perfeito Contista", de Quiroga

Horacio Quiroga


Creia em um mestre — Poe, Maupassant, Kipling, Tchekov — como em Deus mesmo.

II 
Creia que sua arte é um cume inacessível. Não sonhe em domá-la. Quando puder fazê-lo, você o conseguirá sem mesmo sabê-lo.

III 
Resista o quanto puder à imitação, mas imite se o influxo for ­forte demais. Mais do que qualquer outra coisa, o desenvolvimento da ­personalidade é uma grande paciência.

IV 
Tenha fé cega não em sua capacidade para o triunfo, senão no ­ardor com que o deseja. Ame a sua arte como à sua namorada, ­dando-lhe todo seu coração.

V 
Não comece a escrever sem saber desde a primeira palavra aonde vai. Em um conto bem realizado, as três primeiras linhas têm quase a importância das três últimas.

VI 
Se quer expressar com exatidão esta circunstância: “Do rio soprava o vento frio”, não há em língua humana mais palavras do que as apontadas para expressá-la. Uma vez dono de suas palavras, não se preocupe em observar se são consoantes ou assonantes entre si.

VII 
Não adjetive sem necessidade. Inúteis serão quantas notas de cor adicionar a um substantivo débil. Se achar aquele que é necessário, apenas ele terá uma cor incomparável. Mas tem de achá-lo.


VIII 
Tome seus personagens pela mão e conduza-os firmemente até o final, sem ver outra coisa além do caminho que lhes traçou. Não se distraia vendo o que eles podem ou não lhes importa ver. Não abuse do leitor. Um conto é um romance depurado de cascalho. Tenha isto como uma verdade absoluta, mesmo que não seja.

IX 
Não escreva sob o império da emoção. Deixe-a morrer, e evoque-a depois. Se for capaz então de revivê-la tal qual foi, terá chegado à metade do caminho na arte.


Não pense em seus amigos ao escrever, nem na impressão que causará sua história. Conte como se seu relato não tivesse mais importância do que para o pequeno ambiente de seus personagens, dos quais você poderia ter sido um.
De nenhum outro modo se obtém a vida do conto.

de Horacio Quiroga
trad.: Henry Alfred Bugalho

Biografia Breve de Horacio Quiroga
Horacio Silvestre ­Quiroga Forteza (Salto, 31 de dezembro de 1879 - Buenos Aires, 31 de dezembro de 1937) foi um escritor uruguaio famoso por seus contos, que geralmente tratavam de eventos fantásticos e macabros na linha de Edgar Allan Poe e de temas relacionados à selva, sobretudo da região de Misiones, na Argentina, onde Quiroga passou parte da vida. Sua obra mais famosa são os Cuentos de amor de locura y de muerte (1917; título sem vírgula no original), na qual se encontra o célebre conto A Galinha Degolada. Em 1937, após ter sido diagnosticado com câncer, Quiroga cometeu suicídio, ingerindo uma dose letal de cianureto.


(Publicado originalmente na SAMIZDAT 32)