sábado, 6 de dezembro de 2014

"Infeliz de quem é vazio", de Raymundo Netto para O POVO (6.12)


Um vitral pode ser bonito como for, mas se não existir luz, principalmente solar, ele perde o brilho, sendo apenas um conjunto de recortes de vidro colorido. A luz, esse brilho, é o que lhe confere beleza e é o que dá valor a todas as coisas.
As pessoas também são assim. Podem comprar joias, acessórios de luxo, rouge, batom, sapatos, vestidos, ternos, automóveis cintilantes, artefatos tecnológicos, colocar até peitos e rasgar gorduras, ficando aparentemente mais apetitosas, atraentes, ou apresentarem uma estampa dissimulada que só ilude, e temporariamente, os “rasos” ou interesseiros, e nunca as pessoas com mais conteúdo, sensíveis e inteligentes, não facilmente enganadas pelo grande espetáculo da tragédia/comédia consumista.
Essas pessoas, os atores genéricos da sociedade emergente, que “não são recôncavos nem podem ser reconvexos”, tentam menosprezar e até “calar” essa luz, pois sabem que não podem comprá-la, alugá-la, pedir de empréstimo mesmo com altas cifras de juros, nem têm como pendurá-la na parede. Não podem encontrá-la facilmente nos bistrôs, nos fundos de garrafas envelhecidas de 12 anos, nem em megastores, muito menos em joalherias de shoppings. Essa luz, ao contrário da pregação capitalista, é adquirida em vida, construída como um patrimônio que, embora seja “transferível”, não pode ser regateado, nem dado e custa muito tempo para adquirir e uma eternidade para se apagar. O brilho dessa luz, ao contrário do que se diz, é próprio. Triste daquele que só brilha ao lado de medalhas, joias e cifrões. É um humilhado, um eterno carente a montar seu teatro em vida, contratando atores, palcos suntuosos e muita bebida para receber aplausos não convincentes que só enganam mesmo nas fotografias.
Não me estranha assim a superficialidade da sociedade, das relações, a violência, o descaso com a educação e com a cultura, a desigualdade e injustiça social. Isso tudo existe pela inexistência da luz verdadeira na direção e comando desse mundo.
Muitos dos falsos “privilegiados” nasceram em berço acolchoado, tiveram uma demão de tinta, uma caiagemzinha que, naturalmente, faz com que se sintam superiores, pois falam uma outra língua, ou quase todas, já deram voltas e voltas pelo mundo, conhecem gente que OCUPA cargo importante o que é anos-luz de diferença de SER uma pessoa importante —, e só ostentam conforto financeiro por meio de laços (ou ligas)  familiares que assim o permitiram.
Alguns precisam lamber botas, fingir, emprestar a cabeça de capacho para conseguir margear as sobras da pessoa de sucesso mais próxima. Ora, nem sempre podemos afirmar que pessoas com prestígio financeiro são imediatamente pessoas com sucesso. Dinheiro vem; dinheiro vai. O empresário Eike Batista, por exemplo, que até há pouco tinha uma fortuna e era paparicadíssimo, de repente abre a boca para dizer que é um baque, uma tragédia, voltar à classe média. Bem-vindo ao nosso mundo, Eike, e parabéns, agora você vai descobrir quem é e se tem algum amigo...
Os valores, verdadeiros valores, trazemos no peito, antes de na cabeça. Há uma diferença enorme entre os valores do mundo e os do homem. Assim, é preciso muita coragem para se impor nesse mundo, falar a sua língua, dizer o que se pensa sem temer ser o que é, sem precisar se conter de desejos, e ainda conseguir dizer não.
É muito triste assistir a pessoas que crescem em seu trabalho, seja lá o que for, estando com o fundo das calças a mostra, pintado de vermelho e salpicado de luzinhas neons que asseguram “Eu te amo mais do que tudo, chefinho..”
Dinheiro é bom, principalmente quando é resultado do trabalho bem feito, e, de preferência, um trabalho que orgulhe, que perdure, que tenha valor para a sociedade. Mas quando o dinheiro passa a ser a razão de tudo, comprando a própria alma, o resultado disso só pode ser muito ruim, e, como praga, toma conta das gerações futuras. Infeliz de quem é vazio!

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