domingo, 22 de fevereiro de 2015

"Adauto Araújo, Centenário", por Audifax Rios para O POVO


Audifax Rios, colunista e artista plástico

O menino, já taludo, havia de continuar os estudos fora da sua cidadezinha e fez fincapé. Adorava caçar passarinhos nas cercanias, pescar piabas e tomar banho no rio Acaraú. O saudável convívio com os companheiros era a marca da liberdade e não queria abdicar daquela vidinha maravilhosa. Porém era preciso buscar o saber, aprender uma profissão, então o único jeito foi amarrar o traquinas Adauto no lombo de um burro que durante sete dias e sete noites percorreu tortuosos caminhos entre Santana e Fortaleza, onde já se encontrava o mano Cláudio. Era o ano de 1924 e Joaquim Adauto Araújo, a graça completa, contava, então, nove anos de idade, posto que nascera na seca do quinze, no dia três de agosto.
O pai tinha posses, podia educar os filhos em bons colégios, assim Adauto foi matriculado no Cearense dirigido pelos irmãos maristas franceses e lá conviveu com Thomaz Aragão, Murilo Borges, Augusto Carneiro, Aurélio Mota, Ernesto Valente e outros que, como ele, mais tarde se destacaram em suas atividades. O pai, como ia dizendo, agropecuarista e industrial, era prefeito de Santana do Acaraú, respeitado cidadão João Alfredo Araújo, mais conhecido por Coronel Joca Marques ou Fanico herdado do pai. Ou simplesmente Seu Joca da estirpe dos Araújo e Marques, casado com Eutália dos Rios, Carneiro e Frota, todos povoadores da ribeira.
Seis anos interno no casarão da Duque de Caxias, hora de partir para o Rio de Janeiro, cursar medicina como queria o sensato Joca que sentenciara definitivo: “Se for pra ser médico, pago os estudos”. Em Ouro Preto já estava Cláudio, cursando engenharia. Embarcou num paquete que demorou no Recife por conta de greve dos portuários, o que foi definitivo para a vida do jovem Adauto, então com dezessete anos. É que estendera a mão para uma cigana na beira do cais que lera nas linhas misteriosas a sina: “Você terá muitas brigas na justiça e vencerá todas”. O vaticínio o perseguiu pelo resto da vida.
Demorou seis anos na “Cidade Maravilhosa” entre estudos na Faculdade de Ciências Médicas Universidade Estadual e os antros de perdição da Lapa onde morava; entre o fuzuê boêmio e os protestos estudantis contra a ditadura Vargas. Amigos, os colegas Guarany Mont’Alverne, Arimateia Monte, Thomaz Aragão... os mais chegados, cearenses, sobralenses. Companheiros de Noel Rosa nos bancos escolares e nas mesas dos bares.
Canudo na mão, o destino era voltar para o Ceará. O consultório custou ao velho Joca a razão de vinte e cinco contos de réis e depois de um estágio em Fortaleza estabeleceu-se definitivamente em Sobral como ginecologista e obstetra. Aparando filhos das distintas damas da sociedade como pobres mulheres do povo. Durante vinte anos, de 1938 à seca do cinquenta e oito. Nesse interim casou (1940) com Ivone Frota, união que lhe deu treze filhos, nove homens e quatro mulheres.
O rebanho vacum se tornara bem maior, assim como as imensas léguas de terra. O famoso doutor Adauto se transformara num agropecuarista bem sucedido e partiu, com os irmãos Walter e Cláudio, para a instalação de uma usina de beneficiamento do seu próprio algodão.
Agora entra o vaticínio da cigana do cais do Recife. Mais parecendo advogado que médico, Adauto Araújo vivia às voltas com questões de terras, indispondo-se com a parentela, sobraçando processos e mais processos e, de sobra, desferindo desaforos e estampidos de armas de fogo. O mundo do respeitado esculápio agora era a imensidão dos eitos da Bahia, Raposa, Pitombeira, Andreza, Paraná, Água Branca... espalhados pelos municípios de Santana do Acaraú, Forquilha, Santa Quitéria e alhures.
E ao mesmo tempo em que folheava os calhamaços das pendências judiciais frequentava a Academia Sobralense de Estudos e Letras onde ocupava a cadeira no. 1, ao lado de Dom Expedito Lopes (ainda padre), Ribeiro Ramos, Clodoveu Arruda, Tancredo Halley, Paulo Aragão, Gil de Carvalho e outros.
E a cultura persegue ainda a trajetória de Adauto Araújo, a antiga fábrica cedeu espaço para uma escola de artes e ofícios planejada pelo saudoso Augusto Pontes, olhando para o rio Acaraú, o mesmo onde brincava na infância. E o filho Régis Frota Araújo, cineasta e professor universitário, ocupa atualmente uma cadeira na dita ASEL. Régis, autor da biografia do pai que comemora seu centenário em agosto deste ano. Enquanto os pássaros ainda sobrevoam o Rio das Garças onde nadam eternas piabas e caribodós.

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