segunda-feira, 27 de abril de 2015

"Elano de Paula", o devaneador, por João Soares Neto


Elano alterou o compasso da vida de muita gente. Explico: Eu o conheci no quarto final dos anos 60. Nesse tempo, eu, recém-formado, havia voltado dos Estados Unidos após concurso. Por último, estivera na Europa onde alguns formandos em administração tiveram a audácia de, por ideia nossa, ir ver o Velho Mundo. Passagens luminosas na Fundação C. Gulbekian, em Lisboa,e na École Nationale de Administration, em Paris. Rodamos, de ônibus, pela Espanha, Suíça e Itália. Em Roma, furamos o cerco e vimos o aparato do Concílio Vaticano II.
De volta, posto em estudos e trabalhos múltiplos. Solteiro, participava, à noite, de turma no Náutico. Eu era o benjamim. Entre outros, pontificavam Fernando Távora, Lustosa da Costa, Lúcio Brasileiro e Danilo Marques.
Um dia, o Danilo informou que iria ao aeroporto apanhar o engenheiro Elano Paula. Disse que Elano estava querendo entrar no sistema financeiro da habitação do BNH. Eu, saído, falei: li tudo sobre o BNH. Na verdade, por minha inata curiosidade e formação em direito, havia lido a legislação do SFH. Danilo arregalou os olhos e pediu para levá-lo ao velho aeroporto no meu Karmann Ghia (cupê da VW com design italiano da Ghia).
O carro só possuía dois assentos na frente e o “banco da sogra” em que mal cabia um. O Elano, no assento do passageiro. O Danilo, atravessado no tal banco, apresentava-me e informava que eu havia lido os “livros do BNH”. Elano, de esguelha, perguntou: você sabe o que é Iniciador? Disse o que alcançara.
Encurtando a história, o Elano me desafiou a ir ao Rio, sede do BNH, para desentravar processo que dera entrada há tempos e não saíra. Com condição: se eu resolvesse, seria pago. Caso contrário, nada. Fui e logo alcancei o objetivo.
Acontece que eu recebera convite para novo curso no exterior. As passagens esperavam na Varig, na rua Barão do Rio Branco. Comuniquei ao Elano, que, matreiro, retrucou: “se você for ficar lá, tudo bem. Mas, se for para voltar ao Ceará, o que você sabe já basta”. Pedi adiamento e devolvi as passagens.
A ideia do Elano, salvo engano, foi apresentada pelo Danilo ao Walder Ary, jovem professor da Escola de Engenharia da UFC: criar empresas correlatadas de construção, financiamento, indústria e planejamento para atuar no nascente BNH e fora dele. Nasceram empresas. Master, depois Master- Incosa,Iplac, Domus, Credimus, Modulus, Estrela, Planos e outras. Maturidade e arrojo.
Juntaram-se à ideia valorosos nomes: João Parente, Crisanto Almeida, João Fujita, Lewton Monteiro, Antônio Porto, Lauro Lopes e outros mais. Posso dizer, sem exagero, que esse pessoal, misto de jovens e maduros, possuía multiplicidade de talentos, quase um embrião de universidade. Chegaram, depois: Ricardo Ary, Walter Monte, Raimundo Padilha, Idelfonso Rodrigues, Deusmar Queiroz, Almir Caiado, Alfredo Marques e Wagner Brito, entre outros. Todos com contribuição distinta para o êxito comum. A mim coube dirigir a área de planejamento, a Planos.
Volto ao Elano. Ele não alcançara bom sucesso no Rio. Fora sócio do irmão, Chico Anysio, em negócios que não prosperaram. Elano fez tudo em rádio e em TV, por trás das câmeras. A letra de “Canção de Amor” é dele. A melodia é de Chocolate. É standard romântico.
 Aqui, montara a Incosa, atuante em construção pesada. Mas, a sua inventividade estava além de pontes, asfaltos e obras públicas. Era devaneador arguto e inveterado. Possuía espiritualidade, cultura humanista e ideias não convencionais. Por sorte minha, trabalhamos e convivemos por cinco anos.
Um dia, lá na Indústria Plástica Cearense S.A. (Iplac), da qual eu era diretor administrativo, disse ao Elano: “decidi que quero ser independente e não mais participar do grupo”,então em franco crescimento. Ele nem perguntou a razão. Apenas, comentou: “eu esperava isso”. Abraçamo-nos.
 O Nisabro acompanhou-me e, juntos, montamos a Cenpla. Dois anos depois, falei o mesmo a ele: “quero ficar só, para saber da minha verdadeira capacidade”. Era o princípio. Permaneci com a Planos. O Nisabro se quedou com a Cenpla e com o Elano. Tudo criterioso.
Mantive sempre a amizade com o Elano, a quem admirava, longe dos negócios, como pensador além da centralidade. Foi uma das centelhas que me fez conduzir a Planos até aqui, reta.
Já no século XXI, composto por três, ele, o Chico e eu, criamos o blog Maranguape, que durou anos. Prefaciei e revi livros escritos por ele e em parceria com o Chico Anysio.  Ele absorvera a internet e passamos a trocar e-mails e a nos encontrarmos para papos aqui e no Rio, onde mantivera morada. Paredes ricas com quadros maravilhosos, inclusive alguns pintados por ele e o irmão famoso. Presenteou-me com uma marinha  do Chico e uma entrada com portão, dele.
Sábado passado, no seu velório, ouvi as falas emocionadas do seu sócio José Medeiros Neto, da sobrinha Cininha de Paula e de Deusdetiza Silva. Eu, por meu turno, olhando o seu corpo, proferi quase as mesmas palavras que agora escrevi. “Canção de amor, saudade”.

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