terça-feira, 2 de junho de 2015

"O Cronista", de Pedro Salgueiro para O POVO


O cronista é aquele gato vagamundo que perambula pelos quintais (reais ou imaginários), afastando telhas, dando susto em lagartixas; tudo pelo simples prazer de vagar por aí sem pai nem mãe; um bichano daqueles bem reles, que sequer tem dono; come quando lhe sobram algumas migalhas – e até quando faz amor incomoda. Raramente tem prestígio, vez e voz (claro, há os felídeos de apartamento, de pelo lustroso, porém não resistem ao simples contato com a terra suja dos monturos).  
É lido junto com pão de todos os dias, rapidinho antes que o café esfrie na xícara; tem quase obrigação de não assustar o recém-acordado, mas nem sempre consegue: conheço senhora que se engasgou ao ler certos despautérios de colega mal educado; ouvi falar de cismado patrão que demitiu mais de um funcionário depois de conferir uma crônica sem pé nem cabeça de um camarada sem sensibilidade – dessas croniquinhas que querem somente chocar o quase ainda dormindo madrugador.
Há os que aprendem a pôr a farinha na forma com maestria, lépidos, rápidos e fagueiros, escrevem suas crônicas até caminhando, comendo, dormindo... São de palavras fáceis, corretas, escorreitas, leves e livres; nem carecem alegar nada para agradar o incauto leitor; são quase máquinas, legítimos mágicos, se acham máximos. Existem, ainda bem, os pesquisadores natos, que engrossavam braços no manejo de dicionários e enciclopédias; hoje usufruem da leveza rápida do Google pai. Pululam por aí os inveterados umbiguistas, que fazem de suas nem sempre exóticas entranhas o farto prato de todas as mesas; conquistam amigos do peito, igualmente desafetos aos borbotões. Encontra-se também os que entortam bigornas na procura do tema certeiro, e batem que batem martelos que nem ferreiro à beira do fole na busca do estilo correto; verdade que acertam aqui e acolá uma foice que preste, um machado de mestre; mas na maioria das vezes apenas estragam ferro... esquentam a braguilha, tostam o bigode e as sobrancelhas. 
Mas o cronista maior é mesmo aquele falsamente displicente, estudadamente arrogante, despudoradamente cínico; mas que não seja nem mesmo alegre, de modo algum triste, muito menos poeta. Diz tudo o que o fiel leitor (esse canalha exigente) quer ouvir e nunca teve lá muito tempo, tudo o que o ledor sempre quis dizer e jamais criou coragem de pronunciar; tudo o que ele (esse, convenhamos, famigerado leitor) sequer imaginou. 
O cronista bom mesmo é aquele que nem mesmo possui o nome de cronista impresso na cabeceira da página, que é apenas mero colaborador, colunista, convidado, sujeitado... Um quase escritor fantasma! Que escreve pelo simples prazer (e vaidade, não é mesmo?) de ver seu nome estampado, que não ganha nadicas de nada e ainda compra o jornal!

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