segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

"Receita para um Ano Bom", de Pedro Salgueiro para O POVO


Há mais de meio século tento (sem sucesso, claro!) uma fórmula competente para começar bem o ano novo. Desisti faz tempo das antigas listas de desejos, metas impossíveis e promessas mirabolantes, pois nunca cumpri razoavelmente nenhuma; poucos itens foram levados adiante – seja pela falta de forças, ou mesmo por culpa dos ventos (ou espumas) irregulares dos dias que nos surpreendem com novíssimas vontades, imposições prementes...
Entretanto vamos lá novamente arriscando renovar pelo menos as velhas esperanças... Tentarei (inutilmente, bem sei) cuidar um pouco mais da combalida saúde, diminuir uns bons quilos, regrar os excessos de bebidas e comidas e raivas; ler melhores livros, aqueles fundamentais que vamos deixando eternamente de lado tangidos que somos pela brisa fácil das novidades... 
Enfim, mais preocupações de pousos que de voos; de terra que de mar e ar – cousa da idade (ora direis!), que nos vai (ou seria se esvai?) apertando, encantoando-nos nessa antiquíssima sinuca de bico que chamamos simploriamente de velhice. 
Mas deixemos de coisas e cuidemos da vida (pois senão...), procuremos – ora, pois-pois! – as pérolas bem escondidas, aquelas raras, já que pouco tempo teremos pras banais... Porém tenham cuidado (e lá vou eu com os conselhos inúteis!), pois as mais valiosas se encontram frequentemente nos estercos da lida, pelos monturos das velhas amizades de infância, das paixões antigas, dos sonhos perdidos, daqueles medos evitados... 
E vamos, pouco a pouco, buscando desbravar menos os longínquos horizontes; entanto seria prudente cuidar mais do jardim e quintal; melhor tirar boas horas do dia para tanger os ventos que – roseanamente – redemoinham pelos terreiros; depois, então, sentar numa gasta cadeira que já foi do avô, simplesmente olhando, mais e mais, para as tortas unhas dos pés; enfim, espreitar menos espelhos... Fazer menos arrodeios! 
Contudo, se o leitor quiser mesmo começar melhor o ano novo, deve evitar principalmente ler velhos cronistas ranzinzas, desesperançados! Pule direto para os jovens otimistas, moços novidadeiros que adoram (como todos vós, não é mesmo!?) lustrar em público o limpo umbigo.


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