quinta-feira, 21 de abril de 2016

AlmanaCULTURA In Dica: "Nise: no coração da loucura"


“Não se cura além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas.” (Nise da Silveira)

IMPOSSÍVEL um filme conseguir retratar a mulher que foi e é a psiquiatra alagoana Nise da Silveira (1905-1999).
Assim, Robertor Berliner, diretor de Nise: no coração da loucura, que estreou hoje e é baseado na biografia escrita por Bernardo Horta, Nise: arqueóloga dos mares, recortou apenas um período de sua vida.
O filme tem início em 1944. Nise, que havia se formado em medicina numa turma em que era a única mulher entre 157 homens – em sua graduação já apresentava ensaio sobre a violência contra a mulher –, e que passara dois anos (1934 a 1936) presa com acusação de ser comunista – tornando-se personagem de Memórias do Cárcere do conterrâneo Graciliano Ramos e companheira de cela com Olga Benário – e mais 8 anos em semiclandestinidade, afastada do serviço público, voltava agora às funções no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no bairro Engenho de Dentro, Rio de Janeiro.
Desprestigiada entre os colegas e discordando das técnicas convencionais da época, consideradas avanços, como o eletrochoque, a lobotomia, a solitária, é punida, sendo locada num setor abandonado do hospital, o Setor de Terapia Ocupacional.
E foi nesse setor que ela conseguiu realizar a sua prática “não-violenta” de psiquiatria em seus “clientes” – ela dizia que “pacientes” eram os membros da equipe que cuidavam dos clientes –, origem de algumas das bases da atual terapia ocupacional no tratamento psiquiátrico e das obras que se encontram, desde 1952, no Museu de Imagens do Inconsciente do Rio de Janeiro, cujas principais coleções são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
E é esse o momento do filme, estrelado por Glória Pires, fazendo aquilo que ela faz melhor: atuar! Ao seu lado, Cláudio Jaborandy, Simone Mazzer, Fabrício Boliveira, Augusto Madeira, entre outros.
A obra é envolvente, escandalosamente humana, esbanjando afeto, toque, compreensão, empatia, dignidade e a coragem absoluta do insistir e transformar, coisa que só no amor, no verdadeiro e raro amor, se consegue forças para tanto.
Como a grande revolução da prática médica de Nise se baseava na utilização da expressão artística e da sensibilidade, daquilo que a arte consegue explorar do inconsciente humano, no filme, os clientes esquizofrênicos de todos os tipos exercitam essa arte com colorido intenso, em momentos nos quais os seus espectadores, nós,  deleitam-se da vida, do brilho do sol e do espírito e do prazer original de contemplação, refletindo sobre o nosso “engenho de dentro”, a nossa capacidade de colocar para fora toda essa nossa arte – e/ou angústia - escondida atrás de janelas que não se abrem nunca.
Oportunidade ímpar de lavar a pele dos ódios, da desesperança, da intolerância e de tudo aquilo que nós não temos mais coragem de enfrentar. Assistam!


Em tempo: Nise criou, em 1956, a Casa das Palmeiras, primeira instituição a desenvolver um projeto de desinstitucionalização de manicômios no Brasil.

Em tempo 2: Uma surpresa emocionante ao final.


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