sábado, 23 de julho de 2016

"Arraia: de volta para casa!", de Raymundo Netto para O POVO




O Sol reluz ardente e, ainda assim, insisto em mirar na manhã uma arraia colorida a riscar de surpresa um meu caminho (perdido caminho, escolhido sem quereres).
Por vezes empanada entre nuvens cândidas e melancólicas, ela baila frouxa sobre o suor das rugas em meu rosto (cicatrizes de sonhos), a se amostrar, como a reconhecer-me (eu me lembro dela, mas lembro pouco de mim).
Desce, sobe, se esquiva e desce de volta (eu estou de volta, mas para onde?), como uma rainha dos céus, onde residem os espíritos e o espelho de todas as paixões.
Com o dorso acalentado pela névoa azul, caminha ela, em sorriso largo e inocente, sem limites, nesses ares (mesmos ares), arqueando a sua espinha sinuosa, deixando um rastro lembrançoso no coração (o que foi que eu fiz?).
Embalado numa corrente de perguntas e desejos esquecidos, aprecio cada um de seus instantes e sinto que ela sorri para mim (já faz tanto tempo...): “Como eu gostaria de voar com ela, de ser como ela, de não tê-la esquecido!”
Em um repente, emenda uma mesura rápida e se aproxima vaga e desembaraçadamente como um beijo (minha mãe). Já é hora de partir. Ela sabe...e ela sobe. Pois há no céu outra igual, não tão bela nem tão feliz, a recusar a convivência nas extensas terras celestes. Então, a vejo se defender numa disputa sem razão que prossegue delirante lá no alto (por que me deixei estar tão distante?).
Ao final, foi ela, a minha rainha, perversamente malferida pela rival: “Ela está caindo! Ela está caindo!”. Desespero-me! Mas não tem por que, pois, ao olhar para o lado (e bem no fundo, no fundo...), descendo pela rua, um fiel séquito de crianças – Netinho, Luiz, Lice, Mi, Thetê e Dedé (o que será deles?) – corre entre berros alegres, acenando-lhe em socorro e em amores.
Eles irão ampará-la e dar-lhe abrigo. Eles sabem que ela é, sim, a mais bonita. Sabem que chegou a hora de ela subir e de ser livre outra vez. Eles sabem (e sonham), mais do que eu, que ela é uma estrela única, e, como tal, deve erguer-se, alçar seu rumo, pois no céu não há barreiras, a vida é inteira e o tempo não passa (o meu passou) nunca mais!


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