sábado, 8 de outubro de 2016

"O jornal ainda é a principal fonte confiável", diz editor de Spotlight

                                          Mauro Fagiani - 23.jan.2016/Pacific Press/Alamy Live News

MARCELO NINIO, de Washington
06 de outubro de 2016

Apesar das dificuldades financeiras vividas por jornais ao redor do mundo e da explosão da internet, são eles que continuam sendo a mais importante fonte de informações confiáveis, diz um veterano jornalista, que ficou famoso ao ser interpretado pelo ator Michael Keaton no cinema.
Bom de papo e apaixonado por sua profissão, Walter Robinson, 70, chefiou a equipe de reportagem investigativa do jornal Boston Globe que revelou a enorme escala de abusos sexuais em série cometidos por padres católicos na cidade em 2002.
A história deu origem a Spotlight: Segredos Revelados, que ganhou o Oscar de melhor filme neste ano.
Em sua primeira visita ao Brasil, Robinson participa neste sábado (8) de um painel do Festival Piauí GloboNews de Jornalismo, em São Paulo.
Pouco antes de embarcar, ainda sem compreender a demora para obter o visto para o Brasil —que lhe exigiu três idas ao consulado—, Robinson conversou com a Folha por telefone sobre a reportagem que rendeu à equipe o prêmio Pulitzer, o mais importante do jornalismo americano, o filme e o futuro da profissão.
Analisados quase uma década e meia depois, já com o conhecimento dos fatos, é difícil entender porque os abusos cometidos por padres em Boston, com o acobertamento da Igreja Católica, só foram revelados em sua verdadeira extensão quando a equipe de Robinson mergulhou no assunto. Segundo ele, um dos motivos foi a "deferência" à igreja em Boston, que tornava o assunto de certa forma intocável.
"Se alguém dissesse há 30 anos que milhares de padres católicos haviam abusado de dezenas de milhares de crianças e que a igreja havia acobertado tudo, essa pessoa seria considerada louca. A ideia de que a igreja estava envolvida em algo assim era inimaginável. Depois descobrimos que uma grande quantidade de casos era conhecida da polícia e dos procuradores, mas eles não fizeram nada por deferência à igreja", conta.

'FORASTEIRO'
Nascido em Boston há 70 anos e desde 1972 no Boston Globe, o jornalista reconhece que foi preciso um "forasteiro" para empurrar a reportagem, o editor Marty Baron, que chegou de Miami com um "olhar novo e sem se importar com quem iria ficar ofendido". O início do trabalho foi motivado "por medo do chefe", diz Robinson. "Parece piada, mas fizemos por medo."
Partindo de um caso antigo de um padre que havia sido acusado de abusar crianças nos anos 1980, em uma semana a equipe de Robinson entendeu que aquilo era "apenas a ponta do iceberg".
O que no início parecia ser no máximo uma dúzia de casos revelou-se muito maior, com quase 250 padres envolvidos em abusos de crianças em Boston. O trabalho rendeu à equipe o mais cobiçado Pulitzer, o de serviço público. Algo que Robinson, sem modéstia, considera totalmente justificado.
"Dada a extensão dos crimes e o fato de que sua exposição levou a mudanças significativas na forma como a igreja opera, acho que não dá para imaginar um serviço público melhor", diz.
Com recursos cada vez mais escassos para reportagens de fôlego, Robinson lamenta que os jornalistas têm deixado escapar muitas histórias importantes, mas acredita que os jornais continuam fundamentais.
"Os jornais ainda são a principal fonte de informação e reportagens de fundo", afirma Robinson. "O problema é que demos de graça o nosso produto por tanto tempo [na internet] que é difícil convencer o público de que, se você de fato quer notícias com profundidade, tem que pagar por elas."


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