terça-feira, 31 de janeiro de 2017

"O que é pós-verdade" (parte 1), de João Soares Neto


Estou estudando o adjetivo pós-verdade (post-truth), considerado pelos Dicionários Oxford, da Universidade de Oxford-Inglaterra, como a palavra do ano de 2016. A expressão pode ter sido criada em 1992 pelo sérvio Steve Tesish, dramaturgo. O que me alerta é o dístico  da Oxford ser Dominus illuminatio mea, a nos remeter ao Salmo 27.
Agora, ninguém nos ilumina. Vejamos o que o  dicionário  Oxford  diz sobre a pós-verdade: “Um adjetivo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm  menos influência em moldar a opinião pública do que o apelo à emoção e as crenças pessoais”.
 Desejo historiar – audácia minha – acerca desse fenômeno que se difundiu de forma exponencial em camadas cultas, na área filosófica e na política de grandes jornais.  
A aceleração da divulgação da pós-verdade decorre das divulgações em todos os modais da internet (e-mail, whatsApp, facebook, instagram, blogs etc) e das mídias convencionais que se renderam ao uso.
Refleti, e resolvi pedir a amigos doutos que dissertassem sobre o assunto. Esta é a primeira parte. Alguns pedem para não citar o nome. Respeito. Direi algo sobre a formação de cada um:
Um PhD em História: “Já é tão usado aqui. Ninguém que escreve bem o usa.  Mas meu neto adolescente – já sabe tudo –, ontem, ficou assustado se isso seria uma palavra que não existe. Nem a sua máquina falante, nem seus amigos nos EUA a conhecem.  Quer dizer, quando você escrever sua coluna sobre essa palavra, o uso dela vai revelar para muita gente no Brasil uma novidade. Nós, aqui, na Alemanha, estamos curiosos. O físico e filósofo suíço Eduard Kaeser vê na era postfaktisch o perigo de uma “democracia de uma sociedade que não quer saber nada/prefere ficar ignorante dos fatos”, como consequência da avalanche de informações no mundo digital, a diluir padrões essenciais e básicos como a objetividade e a verdade.
O estilo de fazer política de Trump muitas vezes é entendido como post-truth.”
Um Romancista: "A filosofia sempre se ateve a discussões sobre o significado da verdade, da justiça, da ética, dentre outros termos de não somenos importância para a condição humana. Em 2016, a pós-verdade ganhou destaque. No mundo moderno agitado e movido pelas redes sociais, a verdade perdeu status, cedendo espaço para a pós-verdade. O que se posta adquire significado de verdade quase absoluta, quase incapaz de ser desmentida ou questionada. Curiosamente, a pós-verdade está aquém da própria verdade, e não além, como o termo supõe".
 Ednilo Soárez, historiador: "A expressão pos-truth pode ser uma consequência do universo que vivemos nas comunicações digitais, nas quais as pessoas não se conformam mais em ser apenas “figuração”. Quase todas aspiram ao papel de protagonistas, daí, querem interpretar os fatos lastreados nas suas emoções, dando-lhes suas interpretações próprias". 
Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes, PhD, emérito da UFC: “Não sei para que inventar um ‘conceito’ novo se estamos em face de fenômeno tão antigo. Em seus processos cognitivos, a humanidade sempre se debateu com a intervenção dos aspectos emocionais, cuja importância de fato é imensa, pois que razão pura só existe na cabeça de Kant ou é como água destilada, que é pura, mas ninguém bebe.
Estou mais ou menos convencido de que esse rótulo de pós-verdade aguarda sua vez na lata de lixo da História, visto fazer parte de muitos outros ‘pós’ que andam por aí a poluir o ambiente.
Todavia, louvo seu esforço em busca de esclarecimento. Mas não se esqueça da palavra de Max Weber, em sua célebre conferência Wissenschaft als Beruf (1917): ‘Pois nada que ele não possa fazer com paixão tem valor para o homem enquanto homem.’”
Este não é o final.  Temos outras reflexões a apresentar. Aguardem.


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